quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Segundo semestre e o Mar Vermelho


Segundo semestre é acontecimento bíblico. O semestre começou e essa ideia não me sai da cabeça. Eu não sou especialista no assunto, mas a grandiosidade do momento, a sensação de estar caminhando para um grande episódio, desafiador, me faz lembrar a passagem pelo mar vermelho. Lembrar do que eu li (bem explicado, eu não estava lá...ou talvez estivesse, não sei, em outra encarnação!). Lembrar do que eu ouvi falar, lembrar das lições que aprendi e, principalmente, das sensações que tive, quando entrei em contato com a história, sobre os desafios vividos pelo povo, que recebeu a ordem de marchar, de acreditar e seguir em frente. Sim, o segundo semestre é o nosso Mar Vermelho.

No começo, a gente consegue ver as águas levantadas, contidas por uma força maior, mas se sabe que, daqui a pouco, elas começam a se soltar e estaremos todos em meio às águas revoltas dos mares de tarefas em setembro em diante. Agora, é o momento de preparação. Vemos tudo ‘se armando’... se preparando... sentimos a intensidade se avizinhando, ao mesmo tempo em que já estamos todos meio inebriados, embriagados de tantos respingos das águas que nos avizinham, nos espreitam. A cada ano, parece que as águas se tornam mais fortes e que se desmancham antes nos jogando contra os rochedos, depois de perder o chão de nós mesmos. Que o Moço da Parede dos ajude a seguir Viagem!



sábado, 4 de agosto de 2018

Olhos quebrados não têm remendos!


Uso óculos há muitos anos. Miopia é a principal causa. Eu, que sou amante das metáforas e de reflexões sobre a subjetividade, fico pensando que a miopia tem também a ver com características emocionais. Lembro-me do professor Peñuela, que nos ensinava, na década de1990, na USP, que as imagens não nítidas têm a ver com o inconsciente. Onde não há nitidez, na imagem, há o inconsciente do criador e do receptor. Ali, inconscientes se encontram e produzem novas significações. Suas aulas eram encantatórias e, naquele tempo, eu entendi que faz muito sentido que eu seja míope, já que eu vejo a vida, o mundo, as pessoas, com os olhos do coração e isso me dá um ganho de intensidade e, tantas vezes, uma perda de nitidez, de 'clareza'. Percebo que, ao longo da vida, fui aprendendo a dosar essas duas tendências, por precaução, amadurecimento e autodefesa.

Quando começo a pensar nesse assunto, lembro-me sempre, também, da linda canção de Luis Carlos Borges, que diz: “me quebrou o vidro dos olhos, me fez chorar, me fez chorar. Quem o vidro dos meus olhos vai agora remendar?”. Ouvi essa música, pela primeira vez, em um sho do cantor e compositor, em um bar em São Paulo, cujo nome era também emblemático: “Vou Vivendo!”. Na época, fazia a pós-graduação na USP e, mesmo sendo paulista, depois de ter vivido um tempo no Rio Grande do Sul, já me sentia um pouco desgarrada dos pagos... sentia saudade do Rio Grande do Sul. Juntando a isso o fato de que era casada com um gaúcho, também amante da música gaudéria... enfim.. fomos ao show.

Quando Luis Carlos Borges cantou essa música, fiquei impactada. A letra me provocava a pensar, para variar. No caso, fiquei pensando que minha característica de chorona, então, poderia ser porque alguém ‘me quebrou o vidro dos olhos’. Já tinha entendido, no entanto, que isso não era verdade. O choro, em mim, assim como o riso fluem soltos, sem muitas travas capazes de conter. É bom não provocar, mas, tantas vezes, mesmo sem provocação, eles brotam naturais. Choro e rio por qualquer coisas. O choro, no entanto, é traço mais conhecido. Choro com comercial de tevê, a fala de um filho, o olhar de uma aluna, a voz de uma amiga distante, o simples encontro com os olhos com meus amores, na vida. Choro com lembranças, com músicas, já chorei em parada de ônibus, no Banco o Brasil (!), em despedidas, então, bom... aí nem se fala. Choro às vezes porque me olham; em outras, porque não me veem. Choro também de alegria, choro porque, muitas vezes, a emoção me diz que a vida vale a pena. Já chorei imensas vezes olhando a floresta amazônica e aprendiz com ela mesma que a chuva também é natureza e que o choro é chuva em mim, tem a ver com a minha natureza.

Os olhos e, nesse sentido, sua extensão, os óculos têm sido tão importantes na minha vida. Muitas vezes, ao me deitar, pego óculos antigos, para seguir assistindo ao programa de tevê. Caso adormeça, já estou de óculos, com lentes antigas, que me acompanharam por longo tempo, lentes mais sábias. “Só eu mesma!”, rio sozinha, desse meu pensamento. Também penso que durmo com esses óculos antigos para não correr o risco de não enxergar os sonhos, de não saber quem são as pessoas que estão nos meus sonhos e o que estão buscando, de não compreender as cenas, as vivências. A pretensão da pessoa querer interpretar o próprio sonho, enquanto sonha!  Enfim, amo também as pessoas que conseguem me encontrar nos meus sonhos. Entrar no meu sonho já é uma marca de significação, pra mim.

Olhos, óculos, sonhos, choro... enxergar pouco ou muito, encontrar os olhos das pessoas e as variações de luminosidade da vida. Tudo isso me toma o pensamento e o coração, o sentimento, por tantas vezes. Hoje, a retomada da temática se deu, porque tive que correr à ótica, porque meu óculos se quebraram! Uma das lentes se desprendeu, na lateral, por falha na solda. Lente solta, variações da imagem. Talvez sejam as mudanças no meu modo de olhar, que se associam ao aparato material (os óculos), pelo qual vejo as cenas tantas, motivo dessa transformação. Reflito, então, que preciso me dedicar ao ajuste dos óculos, dos olhos, do coração! Mais do que perguntar quem quebrou meus óculos ou de me repreender por tê-los deixado se quebrar, penso que preciso agir, ajustar as lentes, o aparato, o olhar, a visão, a emoção.



Na ótica, a moça me disse que não vale a pena soltar o que foi quebrado, é melhor trocar a armação! Fiquei pensando que isso também é um texto, metafórico, visual, existencial. Em grande parte das situações, não vale a pena soldar o que foi quebrado, é necessário conquistar ‘novas armações’. Rio sozinha, pensando nas múltiplas relações... e, como sempre, sigo Viagem. Até a próxima!


quinta-feira, 26 de julho de 2018

Casas são textos de vida


Casa da gente é morada, é templo, é texto de vida. Tenho dito que ‘tudo é texto’. E foi essa ideia que me assolou quando cheguei em casa hoje, no Solar Cardinale de Caxias do Sul. Percebo que sigo me sensibilizando pelas singelezas do cotidiano, apreendendo, nessas minúcias, narrativas existenciais.  Tem sido assim, sempre. Com a sensação de hoje, me dei conta que reside em mim, aconchegada, a menina de antigamente, que se detinha, tempos e tempos, olhando as miudezas das casas da vó, da nonna e da mãe. Nas nuanças da simplicidade das rendas, das plantas, das flores cuidadosamente arrumadas, as louças, as fotos espalhadas pela casa... cada coisa era parte de um texto, de vários textos, que contavam histórias. Na casa da minha mãe, ainda é! No interior de São Paulo, na cidade de Guarantã, cada vez que visito minha mãe, entendo que a casa dela é um templo, um canto de contemplação da vida, de aprendizado e de renovação espiritual. A casa della mamma! Ali eu revejo a minha própria história, da mamma Rita, dos ancestrais todos italianos, também reencontro a condição de gestação dos bapiús, eu e os manos, e suas brotações.


Percebo que fui, aos poucos, também, me compondo em ‘textos de casa’, ‘textos de vida’, no meu caso, agora, de duas casas, que tenho a graça de ter, dois Solares Cardinales, um em Porto Alegre e outro em Caxias do Sul. Minhas casas são também meus textos de vida, têm um tanto (ou muito!) do meu jeito, das minhas próprias histórias inscritas nos detalhes, as viagens tantas, também as viagens imaginárias e a minha relação com os personagens, os meus e os de outros seres ‘criadores de gentes, na literatura e na vida’. Personagens e autores sempre foram grandes companheiros para mim! Permanecem sendo, a tal ponto que geraram uma espécie de usina de brotação de ideias de projetos de investigação e criação em Comunicação e de gestação de outros personagens. Eu mesma fui me autorizando a ser autora do meu próprio texto, inscrevendo-me em personagens tantos, que começam com as próprias leoas, a quem agradeço aqui. Meus personagens estão soltos pelas minhas casas. Se você, um dia, me visitar, certamente poderia encontrar um deles... soltos, também se sentindo ‘em casa’.

Minhas casas trazem inscrições do meu inconsciente, expressas em materialidades que deixam escapar traços de singularidade dessa criatura que se fez gente, assim amorosa, assim batalhadora, assim um ser forte e doce, que se empenha todo o tempo em flor-e-ser, em florescer... entregar-se a flores e seres, cultivando amorosidade. Percebo que cultivo seres, assim como cultivo a mim mesma, todos os dias, tentando melhorar, tentando ser melhor nos detalhes, tentando aprender a ser mais calma, mais amorosa, mais cuidadora, mais paciente, também mais forte e mais valente, para que ninguém confunda amorosidade com fraqueza ou fragilidade. Eu já entendi que estou bem longe da fragilidade, porque quando revejo minha história de vida, penso que poucas pessoas teriam sobrevida a algumas situações que superei. Momentos de altíssima pressão.

Reconheço que caminhei por abismos existenciais, no fio fino da esperança e fé, que me possibilitou saltar do outro lado. Assim, também, atravessei grandes tempestades, sob rajadas de ventos, escapando de grandes desabamentos, de mim mesma, tantas vezes. Talvez por isso mesmo, tenha chegado a esse ponto assim, ao mesmo tempo amorosa ao extremo e com poucas reservas de paciência, para agressões e descasos. Preciso muito de calma e paz, de estar em calma e serenidade, em paz amorosa. Não tenho mais muitas reservas emocionais, porque sempre estive ‘no limite’ de mim mesma, oferecendo o meu máximo. Hoje, me reconheço. Entendo que não sou linear, sou complexa, ao mesmo tempo que a simplicidade me encanta, principalmente nas pessoas, na natureza e nas relações. Quero ser quem sou, plena e intensamente, senhora da minha idade, do meu corpo. Quero roupas simples e bonitas, do meu jeito, do modo que entendo me mostra melhor, por inteiro. Sou, ainda, um pouco a menina do interior de São Paulo, e também sou mãe de cinco filhos, jornalista, cientista, envolvida com produção de conhecimento nas áreas de Turismo, Comunicação e Subjetividade, na perspectiva ecossistêmica da vida, entre várias universidades e pesquisadores. Sou poeta e escritora. Sou Mulher, Malu Mulher! Olhem só, meu apelido ‘Malu’ se transformou em uma das minhas marcas mais fortes e hoje me dou conta que essa denominação surgiu na época da minissérie da Rede Globo, Malu Mulher, que apresentava uma mulher separada, que enfrentava a vida sozinha,  tentando criar a filha e ‘começar de novo’.

Todas essas elucubrações me foram possibilitadas pelas reflexões às voltas com minhas duas casas. Nesta semana, um amigo visitou o Solar de Porto Alegre e disse que a casa é um texto. Um texto, não. Muitos textos. Ele tinha os olhos brilhantes, estava sorridente, envolvido com os detalhes do lugar, a estrutura arquitetônica labiríntica do apartamento e o curioso amontoado de detalhes que me inscrevem, que contam a minha idade, as minhas histórias, as vidas tantas entrelaçadas na família, nos relacionamentos vários, entre alunos e amoramizades. História de alegrias, de dores e também de amores. Não seria diferente, sendo eu quem sou. Em meio às nossas conversas sobre temas e teorias variadas, ele se lembrava de alguma coisa e dizia: ‘nós temos que fazer uma festa aqui!”. Fiquei feliz com a reação dele e, ao mesmo tempo, achei curioso o fato de alguém se encantar com um lugar que tem também tanta expressão de sofrimento, com o tempo. Em vários cantos e recantos, o apartamento ainda demanda muitos cuidados especiais, precisa de reparos, que não pude fazer, durante uma longa fase da minha vida, em função de estar voltada para apagar ‘incêndios cotidianos’, com ocorrências familiares, de uma turminha de quatro filhos pequenos. Passei a maior parte da vida sozinha, para atendê-los, para resolver os problemas cotidianos, questões de saúde, a avalanche de tarefas e necessidades. Tudo foi tanto, tudo foi tão intenso, que precisei até mesmo, em certo momento, desterritorializar, gerar uma brotação do Solar, da Pazza Comunicazione, da minha vida e migrar para Caxias do Sul, onde fui trabalhar na UCS.

A chegada no Solar de Caxias hoje me mostrou que produzi aqui uma dobra, um des’dobra’mento de mim e da casa. Eu me desdobrei, literalmente, por amor, por um amor especial e pelo amor aos filhos, buscando ‘sobre-vivência’, em sentidos vários. A casa aqui floresceu, o texto de vida floresceu, a Malu floresceu, o Amorcomtur floresceu e o amor em mim só aumentou! O tempo, em mim, fez consolidar os substratos de amorosidade que construí, me ensinou a seguir semeando e a aceitar o que em mim brotou forte, com a profundidade de laços que enredam lindamente vidas e vidas, textos que transversalizam vidas, vidas que se fazem textos, se fazem casa, se tornam histórias... de amor, claro, com seus caminhos e descaminhos, mas histórias de amor sempre. Eu também aprendi, vivendo, que histórias de amor nem sempre têm os desfechos esperados, mas seguem sendo lindas, seguem sendo histórias, seguem valendo a pena. Assim, sigo.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Madrugada no Solar


Meus olhos se acenderam de madrugada, mais uma vez, no Solar Cardinale. No mesmo horário, aquele, em que eu acordei outras vezes: 3:34. Curioso fenômeno esse, de ser acordada num horário preciso, em datas tão diferentes. Eu fui dormir cedo, talvez tenha sido isso, mas, de qualquer forma, é curioso acordar 3:34, como das outras vezes. Talvez seja um horário espiritual, alguma conexão maior. A questão é que, quando acontece isso, eu acordo plenamente.  Do verbo: acordar... a-cor-dar, como gosto. Acordar quando os olhos abrem, sem que um despertador toque. Acordar por mim mesma, desperta, sem sono.

No pensamento, os amores maiores. Reviso cada um deles, os filhos e o amor da vida ‘aquele’. Revejo-os no seu riso, no seu jeito comigo. Imagino-os dormindo e espero que o sono seja calmo, que os sonhos sejam bons e alegres, que o descanso da noite ajude a serenar as emoções e recobrar as forças para a vida, para o dia que vem logo. Aos poucos, os ‘a-faz-eres’ também começam a se fazer presentes, como provocações. Eu sei, eu sei, eu sempre tenho tanto para fazer, porque fiz assim a vida, plena, entrelaçada entre seres e projetos, entre flores e seres, como eu costumo dizer. Gosto que seja assim, embora pense, às vezes, que eu tenho que cuidar essa minha fome de vida, a metralhadora de desejos e minha tendência a disparar invencionices e engendramentos de novas e novas e novas desterritorializações – ações constantes de sair do território existencial, mudar, movimentar, produzir movimento. Por outro lado, penso o que pode um ser cigano como eu, senão produzir movimento, acionar mutações, em mim, na casa, na vida, nos projetos, nos outros? Já entendi que a vida se refaz assim, se renova, se faz de novo. Assim tem sido.

Movimentos de amorosidade. Sim, cada um deve saber a que veio nessa vida. Eu vim assim, amorosa sem conta, plena de desejo de ‘inventar’, desejo de criação, de inscriacionices e movimentos que me levem ao coração das pessoas, aos lugares distantes que tanto sonhei, aos territórios secretos dos sentimentos dos seres que amo. Talvez por isso seja cientista, envolvida especialmente com Comunicação, Subjetividade e Turismo. Desejo de viajar nos caminhos do coração, dos mundos em que há seres que me querem, de me fazer presente na lembrança, como ser amoroso, como ser-flor, como campo de margaridas, como lugar calmo na vida, porto seguro para quem quer aportar e ficar junto, um tempo, o tempo possível nessa vida de Meu Deus!

Gosto do que vivo, nos encontros da vida, na graça de entrelaçamento com as pessoas. Gosto de estar sozinha também, ainda que a sensação seja de não estar só, mas nutrida de afetos tantos, dos fluxos intensos com quem me envolvo. Lembro do Drummond, que diz, em um dos seus poemas mais lindos, que “a ausência é um estar em mim, e sinto-a branca, tão pegada, aconchegada em meus braços, que essa ausência assimilada, ninguém rouba mais de mim.”.  Essa condição de estar em mim, me faz sentir, ainda, aqui, de madrugada, a conexão com os seres com quem me sinto mais envolvida, na vida, em envolvimentos de diferentes modos. Sou grata.


quarta-feira, 4 de julho de 2018

O barco "Florescer Projetos"



E de repente, ela olhou do lado e sentiu um profundo amor por cada detalhe, a flor da toalha, o enfeite trazido de uma viagem, a lembrança que ganhou de um amigo.... tudo, cada coisa, passou a ser uma imensidão de expressão de felicidade.

Tá doida, santa? Ela sempre foi assim! Assim meio encantada com o mundo, com as coisas, todas... inebriada da vida, meio ‘amalucada’.

Não, agora é diferente! Parece que, finalmente, as coisas estão voltando para o lugar, dentro dela. O tempo é sábio. O amadurecimento espiritual ajuda muito a compreender as teias-tramas da vida! Talvez porque não há mais resquício de mágoa, talvez porque as feridas sararam, talvez porque ela entendeu que as coisas são como são, mesmo que não compreenda bem os motivos... Percebeu, também, que há profundas camadas de verdade, que subjazem em mares e marés, e nas tempestades tantas, que, às vezes, tiram tudo do lugar...

Ela, então, levanta o olhar e encontra um barco, que ganhou de uma aluna querida da UFAM, Taciana é o nome dela. Sorriu, lembrando o encanto daquele momento. Taciana participava de uma oficina de Usina de Saberes Amazônicos, para fazer florescer a escrita na pós-graduação da UFAM. Em uma tarde, ela disse: “Professora, estou fazendo um presente para a senhora!”. À noite, chamou no facebook, e disse: “Está quase pronto o presente!”. A professora agradeceu, enternecida, com a iniciativa dela, no sentido de fazer algo para dar de presente, com o carinho, a doçura do gesto... No outro dia, ela chegou com uma cuia e um barco e disse: “Aqui na Amazônia, a cuia representa a amizade, e a gente só dá barco para quem a gente quer que volte sempre!” . 

Eu nunca mais esqueci a cena. No barco,  está escrito: "Florescer Projetos".
Sou muito grata! Muito!

sábado, 9 de junho de 2018

Abobrinhas Recheadas: Rei Roberto



No palco, entre os excelentes bailarinos amorosos, afetivamente afetados, de olhos brilhantes e movimentos e gestos precisos, está uma ruiva crespa, de cabelos desalinhados encaracolados: minha filha Giulia Baptista Vieira. Eu já imaginava a emoção do espetáculo. Pressentia, pelos ‘cacos de fala’ de nossas conversas sobre a produção, pelos momentos ‘aperitivos’ do espetáculo, divulgados nas redes sociais, e também, claro, porque Roberto é Roberto, um conceito em música amorosa, singular, intenso, pela singeleza com que expressa, diretamente, alguns dos mais profundos sentimentos do amor, de amizade, irreverência e humor. O espetáculo foi tudo isso e mais um pouco: resgatou o melhor da tradição ‘Abobrinhas Recheadas’, com brincalhonices saborosas, em diálogos muitos, com as músicas de Roberto Carlos, mas também com a arte em geral.

Fiquei pensando que estava onde gosto de estar: na comissão de frente, primeira fila de cadeiras (no caso de hoje), embevecida com a maturidade da minha filha, em cena, e também com o refinamento do espetáculo. Movimentos precisos, sujeitos entrelaçados em alegria e intensidade, em situações de constante desabar e levantar-se, metáfora plena de situações na vida, em que ‘se você cair, do chão não passa!’. Em muitos momentos, lembrei-me da fala de Fernando Sabino: “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”.

No espetáculo, é encantatória a habilidade de transitar com graça e maestria entre a queda e o salto, as palavras e os silêncios, os abraços e os afastamentos. No jogo de contrastes, a solidão e os encontros marcam também diversas situações das ‘abobrinhas de hoje’. Você  pisca e um bailarino salta, outro rasteja, outro dá cambalhotas. Um grita, outro emudece. Eles se alinham, desalinham. Como estrelas do universo, vão se movimentando em combinações várias, em meio à névoa do Universo cênico. No canto da cena, um que outro deixa rolar lágrimas emocionadas, de quem andou muito para estar ali, de quem fez e faz força, para reinventar o passo, o ‘movimento afetivo nosso de cada dia’. Eu penso: esse choro engasgado me fala de engasgos de histórias pessoais, que eles sabiamente transformam em arte da melhor qualidade. Meus olhos vagueiam na cena, encontrando-os, nos seus traços e gestos singulares, como quem quer acarinhá-los, em retribuição a tal proporção de entrega para a plateia.

Minha filha é uma entre os artistas profissionais em cena. Eu não me canso de repetir: Dance Giulia! E a cada espetáculo, a cada momento que a vejo exuberante e feliz em cena, eu penso que tenho orgulho por sua escolha pela dança, orgulho de ter uma filha que escolhe ser feliz profissionalmente, fazendo o que mais ama! Nesse sentido, eu também estou ali, na sua emoção em cena. O Amor em Cena! O Amorendança! Que ela faça da profissão a sua maior vibração, a sua melhor performance. Talvez por isso mesmo, um mar de pulsações me invadiu, quando eles dançaram a canção que eu tantas vezes cantei para ela dormir, falando que ‘debaixo dos caracóis dos seus cabelos há uma história para contar’. Olhei para seus cachos ruivos em cena, seu corpo altivo, senti sua emoção no peito. Eu estava bem próxima, não hesitei e, com as mãos, formei a representação do coração que entreguei para ela há quase 22 anos. Ela não viu, mas eu sei, nossos corações batem no mesmo ritmo, o ritmo da dança do amor entre mãe e filha!

Antes do espetáculo, eu estava curiosa! Sim, porque é delicado ‘mexer com Roberto Carlos’, personagem midiático emblemático e consolidado no imaginário brasileiro. Ele tem a marca de quem consegue falar simples e profundamente de amor, em um texto ‘rasgado’ de sofrimento e intensidade, ou de singelezas poéticas, que nem são somente dele. A emoção vem das vivências tantas, que foram compartilhadas aos sons daqueles versos e da sonoridade de suas canções. A marca do espetáculo de Natal, veiculado todo ano, talvez tenha a ver com isso... a ‘força tanta’ de melodias e letras, que atravessaram o tempo de muitas famílias brasileiras, acompanhando os encontros, namoros e perdas, os reencontros, casamentos e as novas desilusões, separações, os nascimentos, crescimentos, renascimentos. Nesse sentido, o espetáculo foi fiel ao Rei Roberto. É uma homenagem que, na metalinguagem do ‘abobrês recheado’, mistura a singularidade bem humorada e crítica, das abobrinhas, aos traços marcantes das canções que (parece!) ele fez pra mim, ops, para nós, para cada um de nós.

O espetáculo Abobrinhas Recheadas é mais uma das produções da Macarenando Dance Concept, sempre sob a direção de Diego Mac e Gui Malgarizi, com produção da querida Sandra Santos. Os trabalhos do grupo são sempre impecáveis e avassaladores. São plurais e sem preconceito de estilos, desmontando a arrogância da (suposta) arte que não se encontra com o complexo e diversificado universo que compõe o tecido social, a ambiência ecossistêmica  onde brota a vida e, nesse sentido, onde brota também a dança, uma das mais belas expressões da vida que pulsa!



sábado, 12 de maio de 2018

Lembrando do meu filho Rafael!




Há dias, meu filho Rafael não me sai da cabeça. Tenho pensado muito nele, imaginando onde ele pode estar, o que estará fazendo, como será que está sua vida. Será que se alimentou bem? Está agasalhado? E a escola? Os projetos de vida? Como serão seus projetos de vida? Eu gostaria tanto que ele tivesse projetos de vida...

Quem me conhece, quem me acompanha, de alguma maneira, na vida, sabe que eu não tenho um filho chamado Rafael. Então, de quem estou falando? Falo de um menino que um dia me mandou um cartão de Dia das Mães, sem nunca ter me conhecido. Foi um cartão muito especial, muito emocionante, impactante mesmo. Isso já faz vários anos, não sei ao certo, mas penso que já vão mais de 10 anos do acontecimento do ‘cartão’ do Rafael. Eu vou contar aqui.

Naquele ano, o Dia das Mães se aproximava e meu filho Pietro estava hospitalizado. Eu fiquei sabendo que ele teria visita somente aos sábados e não aceitei. Pensei: “Não, Dia das Mães é domingo! Quero ver meu filho Pietro no Dia das Mães!”. Fui falar com a direção da clínica e parecia não haver jeito... me disseram: “Não podemos liberar somente para a senhora! As outras mães também iriam querer”. Argumentei que então liberassem para todas as mães, que não havia sentido impedir que crianças hospitalizadas vissem suas mães nesse dia, que seria um absurdo, que eu não aceitava de jeito nenhum. Bem, falei tanto que eles concordaram e liberaram a visita para todas as crianças. Eu fiquei muito feliz.

Cheguei cedo, antes mesmo do horário de visitas. Quando liberaram a entrada, logo o Pietro desceu e me trouxe uma cartolina ‘de presente’, com desenhos em homenagem pelo Dia das Mães. Chamou muito a atenção que a cartolina estava dividida pela metade, com um risco, um traço bem no meio. Em uma parte, o desenho era bem nítido, com traços de criança, mas que demonstravam a figura de uma mãe e um filho. Do outro lado, o desenho era totalmente abstrato, eram riscos não agrupados em uma expressão figurativa clara, riscos em desalinho. Não era possível compreender o que expressavam claramente. Com a maior delicadeza do mundo, perguntei para o Pietro porque havia aquela divisão e porque ele havia feito desenhos tão diferentes, o que ele quis dizer. A surpresa veio daí.

Pietro me olhou e respondeu naturalmente, sem se dar conta da proporção do significado do que me contaria. Ele me disse: “Não mãe, eu só desenhei desse lado [o que estava mais organizado]. Desse outro lado aqui [e mostrou, apontando, os desenhos com rabiscos desalinhados, desordenados] quem desenhou foi o Rafael. Ele me pediu emprestado, me pediu para fazer, porque ele não tem mãe e nunca fez desenho para uma mãe. Ele estava triste, porque não tinha para quem fazer desenho e eu emprestei metade do meu papel para ele fazer um desenho para você”. Eu fiquei imobilizada, emocionada pelo gesto do Pietro e pela condição do Rafael. Fiquei tentando não chorar... bem difícil.

A situação complicou um tanto, para mim, quando Pietro olhou para o alto e viu um menino ao lado de um atendente. O menino olhava fixamente para a gente. Pietro, então, me disse: “Mãe, aquele lá é o Rafael!”. Imediatamente me levantei, olhei para ele e disse: “Rafael, eu adorei o desenho! Muito obrigada! Muito obrigada mesmo!”. Ele abriu um sorriso imenso, arregalou os olhos e começou a saltitar, alegre, dizendo para o atendente: “Viu tio, ela é uma mãe de verdade e gostou do meu desenho. Uma mãe de verdade gostou do meu desenho. Eu fiz o desenho e ela gostou. Um mãe de verdade”. Meu Deus, eu não tenho como esquecer aquela cena. Um menino sem mãe me chamando de ‘mãe de verdade’, imensamente feliz porque pôde fazer o desenho para mim! As regras da clínica não permitiam, mas eu queria muito ter dado um abraço nele. Como faço tantas vezes, diante de situações que não posso mudar, que estão longe do meu alcance, escrevo e peço ao Moço da Parede que ajude!

Deixo aqui meu abraço para o filho Rafael que me adotou sem me conhecer e, em nome dele, meu abraço a todas as crianças que não conheceram suas mães biológicas ou adotivas. Que a história do Rafael seja um incentivo a todos quantos puderem acolher crianças em suas famílias, fazê-los ‘filhos de verdade’ com ‘amor de verdade’, que é o que mais importa nesta vida. Por experiência própria, eu recomendo muito a adoção como possibilidade de viver a imensidão de alegria que é ser mãe! É uma experiência tão linda e tão maravilhosa quanto à maternagem biológica! Sou testemunha disso!




domingo, 14 de janeiro de 2018

Sobre silêncios e a escuta de si (de mim)


A escuta interior nos direciona. Quando conseguimos paz e tranquilidade para produzir essa escuta, na simplicidade e serenidade dessa paz, podemos nos conectar com boas energias, com nossos grandes mestres espirituais. Então, os caminhos se abrem, como vislumbres e indicações claras. Nem sempre o que vemos é o que desejamos, é o que gostaríamos, enquanto estamos tomados pelos ímpetos e amarras do cotidiano (ou do tempo!). Nem tudo o que se mostra indicado, nesse silêncio interno, é o que gostaríamos de ouvir, mas o que emerge nessa condição é sempre algo crucial, como recurso necessário à 'sobre-vivência', em sentido amplo!

Mesmo que contrarie nossos desejos imediatos, alguns indicadores brotam como óbvios, podem ser encarados como aqueles trechos do percurso em que temos que respirar profundamente, sentir o ar circulando e seguir, seguir, seguir... caminhar, avançar, compreendendo que a estrada é assim mesmo. Ela tem suas nuanças, suas manhas e peculiaridades. Eu sinto que tenho sido uma boa aluna da estrada. tenho aprendido a ceder, a aceitar e a renovar a disposição de seguir adiante, independentemente das intempéries, das agruras, do conjunto de ações a serem reinventadas, de trilhas a serem abandonadas e de novos rumos a serem empreendidos.

Nesse sentido, como viajantes do tempo, peregrinos do cosmo, penso que é preciso reconhecer nossa pequenez, nossa condição de elementos cósmicos ínfimos, em interação com uma Teia Maior, que nos conecta com outros seres e ecossistemas, com outros universos. A teia da vida, diria Fritjof Capra. O resultado de nossos passos interfere no todo e é por ele direcionado, porque esse todo nos perpassa constantemente, já que a ele estamos entrelaçados como 'seres-existência'. Nessa confluência de entrelaçamentos tantos, nossa tarefa é seguir, procurando semear amorosidade e bem-querer-bem, procurando praticar o autocuidado, no percurso, ao mesmo tempo em que ajudamos quem nos procura, quem nos rodeia. Isso foi sempre o que tentei, é sempre o que pretendo, apesar de todas as minhas limitações. 


Pelo que percebo, nada é sem sentido, ainda que, às vezes, não reconheçamos o sentido, no momento em que vivemos. Em muitas situações complexas vividas, eu me deparei com uma lógica maior, parece escrita num grande texto cósmico, no qual minha condição de autoria se viu sempre limitada. Alguns chamam isso destino. Eu chamo de texto teia trama da vida. Sigo tentando escrever a minha (ínfima) parte, dando a minha melhor contribuição possível. Então, vamos! Como sempre, é preciso força e coragem, cor-ação!