quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Poeira nos Olhos



Há uma tendência importante na fala dos políticos contemporâneos. São tantos absurdos, de tamanha magnitude, sendo verbalizados ao mesmo tempo, que eu começo a pensar que é de propósito. Como se fosse uma estratégia narrativa de produção de absurdidades, para, através das rajadas disparadas diariamente, ir estonteando a população, que se debate comentando nas redes sociais, repercutindo, argumentando que isso é mais absurdo que aquilo, e ainda mais que aquilo outro. Vejo muita gente com ‘poeira nos olhos’ e com os ouvidos entupidos, com um zumbido constante, que, ao que parece, vai demorar a passar.

Fico pensando: assim fica difícil, a gente não dá conta de analisar, comentar, discutir, tantas e tamanhas são as aberrações. E talvez essa seja a intenção. Enquanto nos ‘distraímos’ com o bombardeio de destemperos verbais, frases inimagináveis, impublicáveis em princípio (mas que acabam ocupando grande espaço midiático exatamente por isso), são tomadas decisões diariamente, que estão transformando tudo no pais e no mundo. Para pior, para muito pior.

Preocupa-me, então, a possibilidade de estarmos diante de uma usina de barbaridades discursivas, ‘de caso pensado’, para chamar a atenção, para fazer barulho, enquanto se produzem outras, ainda mais importantes, narrativas. Eu costumo dizer: decisões também são texto. E texto de caráter também gravíssimo, com consequências também dramáticas. Assim, interessa-me saber e ver publicizado, também nas redes sociais, na internet, quais documentos foram assinados, que decisões foram tomadas, quais as ações efetivas a curto, médio e longo prazo. Percebam, há um mar de asneiras ocupando um espaço gigantesco de discussão, enquanto a vida vai se transformando drasticamente diante dos nossos olhos, aqui, na prática, no dia a dia. Olhos cobertos de poeira; de lama, talvez fosse mais correto dizer.


Grandes mudanças vão ficando submersas diante de frases de efeito tão grandioso, capazes de suplantar ações também gigantescas, mas que se fazem encobrir pela lama narrativa que predomina atualmente. Muito lixo, ao que me parece, muito lixo narrativo provocado, para ocupar majestosos espaços midiáticos, enquanto na prática ações e mais ações vão nos fazendo afundar em uma lama ainda mais profunda. Que ninguém se engane, o mais dramático não é o que os políticos dizem, mas o que eles não dizem, mas fazem, o que eles negam e continuam fazendo, o que eles justificam com os absurdos que vão sendo impostos goela abaixo, de um país envolto em narrativas, meio bêbado com personagens midiáticos aqui e ali, que mais parecem arcaicos seres saídos de folhetins de épocas passadas. Tempos realmente difíceis. 

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Viagem é sempre uma ‘viaaagem’!

Viagem é uma viagem. E a redundância aqui é proposital. Sim, porque a viagem acontece como acontece, e não do jeito que a gente idealiza. É preciso, então, aproveitar a viagem como ela se faz. No mais, o que completa a viagem são nossos passos, nosso olhar para tudo e nossa capacidade de viver o que se fez, independente de nossa expectativa. Defendo a atitude de viver a viagem como ela vem, assim com seu jeito próprio, sua dimensão de inusitado, de imprevisto. Isto já é uma grande Graça! Caso contrário, você pode se condenar à frustração, antecipadamente, porque idealiza o resultado de algo sobre o que não tem nenhum controle, o devir viagem, o acontecimento seguinte e o seguinte e o seguinte e o seguinte... e isso vale para muitos tipos de viagens.

Quem me conhece sabe que amo viajar. Hoje, sou até mesmo uma estudiosa do Turismo e, nessa área, minhas pesquisas envolvem a interface Turismo, Comunicação e Subjetividade. Assim, venho estudando, especialmente, algo que pode ser denominado como desterritorialização, ou seja, o processo em que o sujeito ‘perde o chão de si mesmo’, sai do seu território, no movimento de deslocamento do Turismo, nas práticas da Comunicação e, mesmo, na ‘viagem’ que se estabelece na produção do conhecimento. Na prática, como eu tenho dito, em todas essas áreas que me interessam, está em jogo uma ‘viaagem’, para usar uma expressão bem humorada, que é dita tantas vezes, alongando o som da palavra, em forma de brincadeira. “Isso é uma viaaaagem!”. Só que, no caso aqui, estou falando sério.

Lembro-me de uma vez que fui viajar para São Paulo, com meus quatro filhos. Na época, já era divorciada. Decidi ir para a casa da minha mãe, no interior de São Paulo. Então, comprei uma passagem mais barata, com embarque previsto para cinco para meia-noite. Bem, eram muitas passagens, eu precisava economizar. Era um período particularmente complicado, na aviação, os voos sempre atrasavam (agora só atrasam quase sempre). Enfim, cheguei ao aeroporto com as crianças ávidas de vontade de viajar, animadas, mas já cansadas. Elas eram pequenas. E eu, doida, claro. Viajar sozinha com quatro crianças, à noite. Enfim, era o que podia. Viajar para mim, é uma viaaagem! Eu topo! Faço esforço, crio condições e vou, como posso. Nunca reclamo, sempre agradeço. Assim tem sido sempre.

Então, chegamos ao aeroporto, e a moça do guichê da companhia (que não me lembro mais qual era) me disse: “Senhora, o voo de vocês está atrasado, sem nenhuma previsão de embarque!”. Hum, as alternativas eram poucas. Praticamente nenhuma. Voltar para casa naquela hora, com as quatro crianças, tentar remarcar as passagens ou esperar no aeroporto.   Sim, decidi esperar no aeroporto. Juntei bagagens de mão (quem tem filho pequeno sabe quantas são!) e os filhos. Fomos para a área de alimentação. Conversar qualquer assunto com filhos italianinhos é mais fácil diante da mesa, com comida.

Assim, ali, lanchando, disse: “Olha, vou contar uma coisa para vocês. Nós vamos viver uma noite de aventuras no aeroporto!”. Lembro até hoje, enquanto comiam, eles me olhavam curiosos: “Noite de aventuras? Como assim?  O que foi? Aventura como? A gente não vai mais viajar? Que foi?”, disparavam perguntas, como metralhadoras. Eu, em meio às rajadas de perguntas, respondi do alto da minha calma de mãe (não me sobrava alternativa!): “Calma. Eu explico. A moça disse que nosso voo está atrasado, sem previsão, quer dizer, ninguém sabe quando vamos embarcar. Então, enquanto isso, vamos comer e passear, passear bastante pelo aeroporto. Vai ser muito divertido!”.

Naquele momento, eles acreditaram e, claro, toparam a noite de aventuras. Fizemos isso o quanto aguentamos. Até que, não podendo mais caminhar de um lado para outro, fomos para a área de embarque, onde havia mais uma centena, sim, uma centena de pessoas que lotavam poltronas dispostas no saguão, como se fosse o próprio avião em maquete. Giulia e Pietro, os mais velhos, tinham na época em torno de nove e oito anos, adormeceram logo. Giuseppe e Chiara, cinco e quatro anos (se bem me lembro!), no entanto, permaneceram agitados. Já era madrugada. Corriam de um lado para outro, especialmente quando viam um funcionário da tal companhia aérea. Iam ‘buscar informações’. Depois, diante da multidão das pessoas sonolentas, eles transmitiam o último boletim: “Ele disse que ainda não tem previsão!” e davam boas risadas. Pareciam estar brincando de repórteres de tevê.

Enfim, a noite seguiu dessa maneira, até por volta de quatro e meia da manhã, quando embarcamos para São Paulo. A viagem nunca mais saiu da minha memória. Estar ali, sozinha com os quatro, preocupada com o que sentiam, com o modo como suportariam o cansaço, com o que eu faria no momento que nos chamassem para embarcar, se os quatro estivessem dormindo e eu não conseguisse acordá-los. Esforço também para não ter sono, preocupada com o ambiente de aeroporto, que, sei bem, exige sempre atenção especial, quando se trata de crianças por perto. Os olhos pesavam, o cansaço era imenso, mas eu entendia que tudo isso fazia um sentido maior, que a vida mesma é assim, quando se viaja, quando se tem filhos, quando se tem ‘pessoas sob a nossa responsabilidade’. É preciso lidar com os imprevistos, ter paciência, acalmar e acomodar os passageiros, os nossos acompanhantes de viagem, ter cuidado com cada um e atenção às suas necessidades.

Gostei do desfecho, do modo como lidei com a situação, apesar do cansaço, da exaustão que sentia naquela madrugada. Percebo que ela não é diferente de muitas que senti, em outros diferentes momentos da vida, uma mistura de exaustão e calma estratégica, entendendo que só a calma pode me ajudar a sobreviver o momento. Na verdade, quando falo de viagem, falo também da Grande Viagem, a vida. Essa é uma das minhas temáticas preferidas, para pensar e escrever...há sempre muitos imprevistos a enfrentar, intempéries, há também lindos visuais depois de curvas nas estradas ou mesmo no céu, durante os voos. Há encontros e desencontros. Pessoas que conhecemos, reconhecemos e reencontramos nas viagens. Há companheirismos consolidados em viagens e amores que podem ser (re)conhecidos. Assim tem sido comigo, venho acumulando histórias e parcerias de viagens, lidando com o caráter de mutação inerente, com a desterritorialização também em mim... a mutação constante, a necessidade de me reinventar, de também de me reencontrar nas viagens, na Viagem, também na viagem de escrever-me!




domingo, 1 de janeiro de 2017

Sobre inícios... e (re)inícios...

Gosto bastante de pensar em inícios, reinícios, desfechos, em finais que não terminam e em inícios que surgem do que já existia. Sim, porque nada começa do nada. Há sempre algo que antecede, ainda que esse ‘anterior’ seja de outra matéria, substância, jeito. Assim, penso que é preciso atenção aos processos, aos sinais de brotação e, também, paciência com o devir, o que deve vir a ser, porque ele decorre do que nós produzimos (ou foi produzido em nós) antes.

Em cada tempo, percebo sinais de entrelaçamentos com os tempos anteriores. Gosto de seguir as pistas, as trilhas do tempo e ver a vida de enredando, entrelaçando, assim, tecida pelas deusas internas, nossas ‘moiras’. A compreensão da roda da fortuna, que conheci no Tarô Mitológico, uma espécie de roda do destino, que vai sendo tecida pelas Moiras. Essa roda é responsável pelas grandes guinadas da vida. Com o contato com as Moiras, fiandeiras sábias que vão costurando os fios do destino com os das nossas ações vamos entendendo que é disso que resulta o devir, o futuro, o que virá a ser de nossos dias.

Assim, isso me lembra de uma de minhas falas clássicas, quase um ‘bordão’, em que digo que, apesar da beleza da infância, é preciso aprender a abrir mão de algo desse mundo: o fatalismo! Sim, porque a criança não tem noção do tempo. A relação entre tempo e espaço é algo que vai se construindo aos poucos. Desse modo, ela não compreende o ir e vir, as voltas que vida dá. Não sabe ainda a sequência de amanhãs e o quanto tudo é transitório e passível de ser alterado com gestos, movimentos, atitude (ato no todo).

A criança quer ir ao supermercado com a mãe e isso é uma questão existencial. Não ir, significa uma tragédia, uma perda aparentemente fatal. Agora, como lembrança, rio às vezes da cena, em que algum dos meus filhos se definhava em lágrimas, diante da negativa. Era como se eu partisse para sempre. Era como se o estivesse condenando à infelicidade perpétua. Eu sabia que não era, mas a cena era dura de viver, assim mesmo. Só o tempo me ensinou a respirar fundo, ver um filho ou filha se definhando em lágrimas e entender que, aquilo, aquela cena é que o(a) ajudaria a viver os devires, a compreender a ‘vida como ela é!’, nas suas nuanças, na sua mutação inerente.

Então, diferente da criança, o adulto (em geral) já aprendeu que a vida tem idas e vindas. A roda da vida gira, gira, gira, faz voltas e a gente reencontra, revive, repensa, reescreve a nossa própria história, aprendendo novos traços, acumulando saberes e sentimentos e compreendo que nada, absolutamente nada, é pra sempre. Uma das graças desse meu momento de vida é entender que uma variação nessa ideia é o amor. Sim, porque, se o amor também não é pra sempre no seu jeito, no seu modo de existir, quando ele floresce em nós é porque camadas profundas de afetividade foram acionadas. Essas camadas acionadas produziram um substrato denso, que jorra continuamente uma seiva que, ao mesmo tempo, realimenta e germina, gera substâncias que resultam intensidades abstratas, que desencadeiam todo o processo de novo. Assim, o amor se realimenta, se reinventa, de autopoietiza.

Gosto de saber isso. Gosto de compreender os entrelaçamentos do amor e que, feito bem feito, acionado o amor, ele permanece, ainda que não permaneça no mesmo estado. Vez por outra, o amor dá sinais claros que sempre esteve ali, mesmo que a vida mude, mesmo que a vida passe, mesmo que existam oceanos de distância entre seres e mundos de amores. O amor segue exalando sua potência e, na confiança amorosa, é sempre mais fácil ‘seguir viagem’, em amor, enamorada!

Assim, começo o ano sendo grata pelos amores na minha vida e me comprometendo a seguir viagem ‘a-mando’ do meu coração!