segunda-feira, 29 de julho de 2013

Leoazinha Luiza na foto


Malu: Ali, ali!.

Maria Luiza: O que foi criatura? O que você quer agora? Está quase gritando, pra chamar atenção.

Malu: Você não vê? Ela está ali? Atrás do bule. Sentada.

Maria Luiza: Ah... agora a coisa degringolou... sobram poucas opções. Você enlouqueceu de vez, criatura? Do que está falando? Quem está sentada atrás do bule? Eu não entendo mais nada do que você fala. A situação está ficando dramática...

Malu: Arrrhhh.. a senhora não enxerga nada além do nítido, do visível concreto. Que ódio isso me dá! Não vê, na foto, a leoazinha Luiza? A foto, está vendo agora? Nessa foto do Centro Holístico Arte e Vida?

Maria Luiza: Senhor, protetor das leoas de uma certa idade e sem paciência pra gente doida, peço misericórdia. A Malu agora saiu dos trilhos. Está olhando uma foto e vendo a si mesma pequena, atrás de um bule, em uma imagem que, juro, não há sequer uma menina, que dirá a derretida da leoazinha Luiza... assim fica difícil...

Malu: Mas eu não to acreditando... falta mesmo muita sensibilidade na senhora. Seu senso prático exagerado, sua racionalidade exacerbada, sua lógica preconfigurada de vetor prático operacional vai mantê-la assim, pra o resto da vida, enxergando o que todo mundo enxerga, apenas o que todo mundo enxerga... isso é muito pouco.

Maria Luiza: Você quer dizer... enxergar o que existe de fato, apenas o que há para ser visto, sem delírios imaginativos.

Malu: Não são delírios. A senhora não entende que uma imagem é um texto, uma narrativa, maior, bem maior do que os traços visuais, o composto de características visuais que a compõem. Se fosse só pra ver isso... a vida não faria sentido. Não teria a emoção que tem!

Maria Luiza: Hum.. sei... emoção e loucura, pra você, agora são a mesma coisa?

Malu: Não. Veja bem, olha bem pra foto, mas olha bem mesmo! Firme. Sente. Não vê a menina Luiza atrás do bule, sentada, rindo?

Maria Luiza: Olha, eu uso óculos. Já olhei essa foto muitas vezes, desde que você começou a delirar...

Malu: Não é delírio. A imagem tem a Luiza pequena. Só que a senhora, assim como a maioria das pessoas não vai ver. Ela está nos detalhes, no substrato de afeto visual que se expressa ali... na conexão narrativa com o Coqueirão, fazenda onde a Luiza viveu e onde aprendeu a brincar, remexendo o chão, achando graça em tudo, nos gravetos, nas plantas, nos pedaços de brinquedos, flores do campo, no cheiro das coisas, no barulho do ‘silêncio’, os sussurros de seres invisíveis, esses mesmos que a senhora nunca viu e nunca vai ver...

Maria Luiza: Nunca vi seres invisíveis... me ocupo com coisas palpáveis, lógicas. O que existe já é muito para me ocupar com imaginação.

Menina Luiza: Mas tudo isso que ela diz existiu, sim. Não é imaginação. Era tudo lindo, muito simples e muito lindo. Eu sonhava muito, brincava com tudo. Brincava principalmente em cima do pé de jabuticaba. Dormia e acordava. A árvore era tão grande que as galhas eram os cômodos da casa... lembro do meu avô, da risada dele, as bitelas, as grandes jabuticabas, como ele chamava. Depois ele me deu um pé de jabuticaba em Guarantã... maravilhoso, a árvore da minha vida.

Maria Luiza: Ah... tá... reminiscências de infância. Que lindo! Agora a Malu foi desencavar essa guria choramingas, daqui a pouco ela tá aos prantos, lembrando, lembrando....

Malu: Uff.. a senhora é impossível. Eu não desencavei a Luiza. Ela estava lá na foto, na poética..

Maria Luiza: Tava demorando, a palavra... a poética...se não falasse a poética não seria você...pra mim, já deu por hoje. Estou satisfeita... valeu mesmo. Fotos, delírios e poética... claro.. como eu não poderia imaginar.. a poética da foto com a poética da Luiza... uff...



domingo, 21 de julho de 2013

Leoas e acordar cedo


Maria Luiza: Muito tarde.

Malu: Bom dia, pra senhora também.

Maria Luiza: Você não entende. Acordar tarde não faz sentido, na nossa idade. Não combina. Temos um milhão de coisas pra fazer, sempre, de segunda a segunda.

Malu: Pois então, eu me canso. Preciso descansar às vezes.

Maria Luiza: Mas você nunca ouviu falar que Deus ajuda quem cedo madruga?

Malu: Então, ouvi, mas acho injusto.

Maria Luiza: Coméqueé? Você agora, na sua arrogância adolescente juvenil tardia, vai querer julgar .... Deus?

Malu: Não, não é Deus. Não foi Deus quem disse isso. Foram as pessoas. Quem me garante que isso não é apenas uma estratégia do capitalismo mundial integrado, para fazer as pessoas produzirem, produzirem, produzirem o tempo todo? Eu preciso dormir, às vezes.

Maria Luiza: Lá vem você e suas teorias. Capitalismo Mundial Integrado... Criatura. Você não reparou que, quando levanta cedo, o dia rende mais, você consegue fazer mais coisas...?

Malu: E fico com mais sono. Sim, reparei sim... Quanto às minhas teorias, eu gosto delas. Falam de fluxos abstratos, desejo, espelho, amor... teorias da melhor qualidade...

Maria Luiza: Pra justificar seu jeito... maluca..né?

Malu: Ah... o próprio Umberto Eco disse que a gente cita os autores com os quais concorda ou cita pra discordar. Então, meu referencial teórico é todo de gente doida, que ama, que brinca, que vive o prazer, que quer viver alegrias enquanto produz Ciência, que entende que tudo é a mesma coisa, que somos poeira do universo, que estamos todos juntos....

Maria Luiza: Eu sei, já as conheço todas. Até porque você vive declamando esses conceitos como se poemas fossem...

Malu: Há uma poética nessas teorias...

Maria Luiza: Mas lá vem você de novo com a poética... você é reencarnação do Aristóteles?

Malu: Não sei, acho que não. Mas gosto muito de algumas coisas que ele disse.. ou que disseram que ele disse... coisas que ficaram expressas como sendo dele: “O ser é expresso de muitos modos”, por exemplo. Até usei na minha tese. É uma das orientações da minha teoria.

Maria Luiza: Pode parar. Não sou tua aluna, nem tenho tempo pra isso. Estávamos conversando sobre acordar mais cedo.

Malu: Então, acho injusto, se Deus reaaalmente só ajuda quem cedo madruga. Por que não ajudar os outros? Eu, por exemplo. Quando levanto tarde é porque fiquei até de madrugada fazendo algumas coisas sempre interessantes. Escrevendo artigos, por exemplo.

Maria Luiza: Sei, escrevendo artigos.

Malu: Sim, escrevendo artigos também, lendo, conversando, assistindo tevê, planejando, namorando... gosto da noite, gosto da madrugada, de ficar até mais tarde...à noite parece que os sentimentos afloram, o inconsciente brota mais fácil, tudo é melhor.

Maria Luiza: Sei, mas no outro dia, acordar tarde também faz uma diferença grande. O dia não rende ... o tempo parece que encurta. Eu não sei. Deve haver uma explicação física para isso. Nós devemos ter uma relação com o tempo diferente, dependendo do horário que acordamos. Eu sinto isso. Por isso, gostaria que você acordasse sempre às cinco.

Malu: Oooo quê?! Às cinco? Mas na maioria das noites vou dormir às duas, três? Como vou acordar às cinco? A senhora está com tendências suicidas. Se eu acordar às cinco, não podemos fazer muita coisa durante o dia, dirigir, por exemplo, nem pensar. Vou estar como uma sonâmbula.

Maria Luiza: Você é uma exagerada. Dramática. Mas sobre acordar cedo...

Malu: Então, acho injusto. Veja bem, cada pessoa tem seu ritmo, há funções diferentes na sociedade. Deus é Deus de todos. Penso que deveria ajudar também quem tarde madruga. Seria mais democrático.

Maria Luiza: Pelo amor de Deus, não misture Deus com democracia, nem com nada parecido. Também não fale em igreja ou religiões... Deus é maior, Deus é literalmente todo poderoso.

Malu: Nossa, falou boniiito. Tá inspirada. Viu como a noite valeu a pena? Acordar tarde também faz bem, às vezes. Então, Deus, como todo poderoso, não deveria discriminar seus filhos, pelo horário que acordam. Não sei, eu penso isso ao menos.

Maria Luiza: Olha Malu, contigo, até Deus tem que ter paciência. Vamos parar porque tenho que trabalhar pra sustentar tuas loucuras....



sábado, 20 de julho de 2013

Leoas, casas e romances....

Malu: Em cada canto da casa de Porto Alegre, pedaços meus, amontados nas lembranças dos objetos e lugares. São cenas e cenas que passam de novo à mente, trazendo passado. Cada coisa ali tem uma história. Muita coisa ali. A casa é muito grande. Na verdade é um apartamento grandalhão, daqueles de prédio antigo. Um prédio antigo em pleno Bom Fim (bairro Bom Fim, pra quem não é de Porto Alegre). O apartamento é tão grande que são dois. Sim, 201 e 202. Comprei  ‘um’ apartamento que são dois, há muitos anos, em outros tempos da vida. Estava grávida de seis meses da Chiara,  minha quarta filha. Lamentava a constatação de que teria que mudar de casa. Na época, era casada e já tinha três filhos. Não cabíamos no outro apartamento, que também era muito bem localizado. Não gosto de me mudar de casa. Eu me apego aos lugares que vivo, faço-os meus. Sempre fui assim, desde a casa da minha avó. Sempre reparei em tudo e me senti me misturando ao lugar. Cada buraco da parede, cada imperfeição, era também minha e assim formava uma poética da minha relação com a ‘casa’. Os enfeites, os adereços, detalhes... coisas de menina. Da Menina Luiza.

Maria Luiza: Isso, coisas de menina. Você fala, com se ainda fosse menina. Não é mais. Lamento informar. Tem que olhar pras suas casas com o olhar prático operacional de quem provê sustento, de quem garante a existência ali e no lugar. É chefe de família, de uma grande família, com quatro filhos adolescentes e um jovem adulto. Não é mais tempo de poetizar, de se embevecer com os detalhes do tempo, do vento e do raio que te parta inteira....

Malu: Nossa, que amargura! Como diria uma nossa conhecida: “Quaaanta grosseria!”. A senhora interrompe um fluxo de pensamento, em que estou refletindo sobre a relação das pessoas com as casas, com o lugar de vida, falando da nossa relação com o ambiente cuidadosamente produzido. Interrompe como lâmina, como sempre.

Maria Luiza: Alguém de nós precisa ter a cabeça no lugar. Se eu deixar por você, seguimos apegadas a tudo o que é passado. Você é uma criatura impossível. Impetuosa e apegada. Não se desfaz de casas, não se desfaz de romances...

Malu: Hum... não muda de assunto. Esse é outro desentendimento nosso...

Maria Luiza: Engano seu. É tudo a mesma coisa. Você constrói as histórias, vive as histórias do mesmo jeito que ajeita os lugares de vida. Constrói os espaços das casas como narrativas de você mesma: uma boneca aqui, uma lembrancinha de viagem, uma gravura, uma esculturinha de Barcelona, panelinhas de cobre do Chile, azulejos de Portugal.. bom, bonecas não vou nem contar... você romantiza tudo. Acredita que tudo é verdade como poética da existência.

Malu: Ah, não. Há poética na existência. Tudo o que eu vivi foi verdade, foi vivido intensamente.

Maria Luiza: Criatura, criatura, veja bem. A verdade é um conceito complexo. Pergunta pra doutora Cardinale. Você faz a verdade intensidade poética. Nem sempre as coisas a tua volta são assim. Elas são assim dentro de você. Tudo imenso. Tudo verdadeiro. Tudo imensamente poético. Aí você se apaixona por porta, parede, sofá, banheira. Você viveu tudo com uma poética construída com o mar de afeto que a caracteriza.

Malu: Não. Não vivi minha vida sozinha. Antes pelo contrário. As melhores histórias são histórias partilhadas. As melhores lembranças, as mais intensas, as mais alegres e mais tristes também são as cenas em que há pessoas importantes da minha vida, ali, junto de mim.

Maria Luiza: ‘Queriida’, você é escritora. Você escreve a parte que lhe interessa das histórias e das lembranças. Você lembra o que mais gostou, as cenas que achou bonitas, as alegres e as tristes. Eu venho tentando te dizer: ‘saudade é sentimento ligado ao passado. O passado não alimenta presente e muito menos futuro’. A regra, então, é: esquece! Você tem que aprender a viver o presente, aprender a viver o que sobrou do passado, o que, de fato, conseguimos construir depois das vivências tantas, em Porto Alegre, Caxias, somando tudo... Às vezes, você esquece momentos importantes. Momentos que significaram rupturas e maltratos. Você esquece alguns momentos, mas não esquece o que deveria esquecer. Fica assim meio que aprisionada na lembrança. Chega a me dar raiva da tal música que diz: “Você é a saudade que eu gosto de ter!”... isso é masoquismo, sandice...

Malu: Lembro tudo. Sei bem o que a senhora lembra, quando diz isso. Uma determinada madrugada, uma madrugada específica. Uma ‘madrugada texto’. Eu sei. Deveria ter ‘lido ali’, deveria ter ido embora, sem falar nada. A relação com a casa. A dificuldade de me sentir em casa. O mal-estar. O desfecho estava claro. Eu sei o que deveria ter feito. Não fiz. Eu respeito meus tempos. Era outro tempo. Outro momento. Não fico me lamuriando pelo que não fiz. Com o tempo, eu aprendi a me ‘des-culpar’, a tirar a culpa pelo que não consegui fazer no passado. Fiz o possível.

Maria Luiza: O possível é pouco, querida doida maluca parceira de vida minha. Temos que fazer o impossível. Você não só se desculpa, você tira a gravidade da cena. Passa por cima. Tanto é que demora a tomar uma decisão, quando ela realmente importa. Sua amorosidade derramada é um descalabro. Uma insensatez.  Em outros casos, é impetuosa e decide rápido demais. Falta reflexão. Realmente, assim não dá pra ser feliz.

Malu: Parabeeeéens! Espetáculo de frases! Uma beleza.  A senhora gosta de frases de impacto. Gosto de refletir, mas realmente esse não é meu ‘dom principal’. Sou a parte de nós que aciona o movimento, que põe o barco em ação, o motor pra trabalhar, nas invencionices, nos movimentos desejantes... vou criando coisas, amorosidades, sim, romances com a vida, romances que escrevo, que vivo... porque isso me põe viva. É o que faço agora... é o que faço sempre. Desse modo, também reinvento as madrugadas. Não fosse assim, não haveria ‘madrugadas de olhos imensos e intensos’, a senhora sabe.... risos...

Maria Luiza:  Tá criatura... sem detalhes...  Melhor frases de impacto que bordões folhetinescos. Você assistiu muita novela na vida. Isso afetou seu cérebro.

Malu: Nosso cérebro, a senhora quer dizer.

Maria Luiza: Não me lembre isso. Sim, nosso cérebro. E eu passo o tempo todo tentando consertar, minimanente. Em vão. Quando estou tentando planejar, pensar sobriamente sobre as possibilidades, vem você ou a menina Luiza e desandam tudo... parecem bêbadas... da vida.

Malu: Oooh... nem tudo está perdido. A senhora está fazendo poesia... risos.

Maria Luiza: Poesia é o escambau! Estou aqui preocupada, pensando em providências necessárias para as nossas casas, de Porto Alegre e Caxias, tanta coisa para organizar envolvendo as crianças, ops.. os filhos, eles não são mais crianças e isso dá ainda mais trabalho, mais todo o planejamento da Universidade e... claro... as novidades da Pazza Comunicazione... os novos projetos...

Malu: Bah.. chega.. já estou cansada... só de pensar nisso.

Maria Luiza: Eu sei. Eu sei... eu também. Acho que vou ver um pouco de novela, pra ver se fico tonta, feito você, e não me preocupo tanto. Até a próxima.