segunda-feira, 26 de agosto de 2013

As estrelas e a imaginação


Às vezes, percebemos que passamos grande tempo da vida dependurados em uma estrela imaginária. Linda, intensa, aparentemente perfeita. Perfeitamente imaginada! Depois, aos poucos, vamos percebendo que ela, a estrela imaginada, nos escapa, à medida que vivemos. Vai se denunciando, na sua condição imaginada, se mostrando mais etérea do que deveria. Escapa-nos aqui e ali. Não, ela não estava sempre ali, como esperávamos e supúnhamos. Não, ela não tinha tanto brilho quanto era necessário, quanto necessitávamos. Mas, então, o que foi feito da estrela perfeita, que por tanto tempo se nos apresentou? Então era tudo mentira? E as vozes que ouvíamos do oráculo, dizendo que tudo estava escrito nas estrelas? E a certeza que tínhamos no coração de que a estrela, aquela, era a mais linda e certa inscrição das nossas vidas e que nos levaria para o mundo que sonhamos, onde haveria sempre amor, onde as amizades fossem sempre verdadeiras, onde o abraço fosse sempre sincero, onde poderíamos suportar a todos os desafios, porque tínhamos cada ponta da estrela, como segurança, como porto seguro?

Chego à conclusão que não havia nenhum problema com a estrela, com o que existia dela, de fato. A estrela era verdade, mas não como a víamos. Nós víamos a imaginação, a estrela imaginada. Essa, sim, inspira cuidados, porque era idealizada, porque era sonhada e construída dentro de nós. Não há como buscar fora a estrela que temos dentro. Ela existe como referência de brilho, de intensidade, como condição amorosa e orientação da vida. Ela existe, mas não no Outro ou em um projeto específico. Ela existe como nossa potência de construir estrelas. Isso não é ruim, a menos que esperemos que o ‘fora’, o Outro, o projeto dê conta da idealização. As coisas são como são, não como imaginamos. As pessoas também. Depois de constatar isso, você só tem que decidir se continua ou não na estrada que tinha escolhido, com base na idealização da estrela imaginada. Você tem que decidir se ama, assim mesmo, conhecendo a estrela nas suas imperfeições e incompletudes, na sua humana e real condição imperfeita, como de resto é tudo e qualquer coisa e somos todos nós.E também tem que se contentar com o fato de que a estrela se movimenta por conta própria, independente da sua vontade.


Outro desafio imenso, nesse sentido, pra quem tem o hábito de imaginar estrelas perfeitas é compreender o giro do Universo, o fato de que nada permanece no mesmo lugar muito tempo. Tudo está, o tempo todo, em processo de mutação. Tudo se movimenta. O encantamento com a estrela imaginada faz com que o sujeito tenha desejo de que nada mude, de que tudo permaneça onde e como está. Ao contrário disso, nada permanece. Tudo está em transformação em cada instante. Isso não significa que se modifica pra pior ou pra melhor, mas que se movimenta o tempo todo. Não adianta espernear. O instante passado é passado e  somos chamados a fazer nossa parte para garantir o devir, o instante que deve vir a ser. Isso só é possível valorizando o instante presente, o que temos. A sabedoria oriental valoriza o conceito de ‘presença plena’, que aprendi a partir do chileno Francisco Varela, no livro De corpo presente e depois amadureci treinando karatê e aprendendo as orientações do Caminho. É preciso aprender estar plenamente presente onde se está e reconhecer as condições reais para que possamos agir, intervir no mundo, no universo, no nosso universo existencial. Um pouco de vetor prático operacional ajuda a conviver com estrelas reais e imaginárias. Assim, é fácil não se decepcionar com estrelas. É só não esperar delas o que temos dentro de nós, como imaginação.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Leoazinha Luiza na foto


Malu: Ali, ali!.

Maria Luiza: O que foi criatura? O que você quer agora? Está quase gritando, pra chamar atenção.

Malu: Você não vê? Ela está ali? Atrás do bule. Sentada.

Maria Luiza: Ah... agora a coisa degringolou... sobram poucas opções. Você enlouqueceu de vez, criatura? Do que está falando? Quem está sentada atrás do bule? Eu não entendo mais nada do que você fala. A situação está ficando dramática...

Malu: Arrrhhh.. a senhora não enxerga nada além do nítido, do visível concreto. Que ódio isso me dá! Não vê, na foto, a leoazinha Luiza? A foto, está vendo agora? Nessa foto do Centro Holístico Arte e Vida?

Maria Luiza: Senhor, protetor das leoas de uma certa idade e sem paciência pra gente doida, peço misericórdia. A Malu agora saiu dos trilhos. Está olhando uma foto e vendo a si mesma pequena, atrás de um bule, em uma imagem que, juro, não há sequer uma menina, que dirá a derretida da leoazinha Luiza... assim fica difícil...

Malu: Mas eu não to acreditando... falta mesmo muita sensibilidade na senhora. Seu senso prático exagerado, sua racionalidade exacerbada, sua lógica preconfigurada de vetor prático operacional vai mantê-la assim, pra o resto da vida, enxergando o que todo mundo enxerga, apenas o que todo mundo enxerga... isso é muito pouco.

Maria Luiza: Você quer dizer... enxergar o que existe de fato, apenas o que há para ser visto, sem delírios imaginativos.

Malu: Não são delírios. A senhora não entende que uma imagem é um texto, uma narrativa, maior, bem maior do que os traços visuais, o composto de características visuais que a compõem. Se fosse só pra ver isso... a vida não faria sentido. Não teria a emoção que tem!

Maria Luiza: Hum.. sei... emoção e loucura, pra você, agora são a mesma coisa?

Malu: Não. Veja bem, olha bem pra foto, mas olha bem mesmo! Firme. Sente. Não vê a menina Luiza atrás do bule, sentada, rindo?

Maria Luiza: Olha, eu uso óculos. Já olhei essa foto muitas vezes, desde que você começou a delirar...

Malu: Não é delírio. A imagem tem a Luiza pequena. Só que a senhora, assim como a maioria das pessoas não vai ver. Ela está nos detalhes, no substrato de afeto visual que se expressa ali... na conexão narrativa com o Coqueirão, fazenda onde a Luiza viveu e onde aprendeu a brincar, remexendo o chão, achando graça em tudo, nos gravetos, nas plantas, nos pedaços de brinquedos, flores do campo, no cheiro das coisas, no barulho do ‘silêncio’, os sussurros de seres invisíveis, esses mesmos que a senhora nunca viu e nunca vai ver...

Maria Luiza: Nunca vi seres invisíveis... me ocupo com coisas palpáveis, lógicas. O que existe já é muito para me ocupar com imaginação.

Menina Luiza: Mas tudo isso que ela diz existiu, sim. Não é imaginação. Era tudo lindo, muito simples e muito lindo. Eu sonhava muito, brincava com tudo. Brincava principalmente em cima do pé de jabuticaba. Dormia e acordava. A árvore era tão grande que as galhas eram os cômodos da casa... lembro do meu avô, da risada dele, as bitelas, as grandes jabuticabas, como ele chamava. Depois ele me deu um pé de jabuticaba em Guarantã... maravilhoso, a árvore da minha vida.

Maria Luiza: Ah... tá... reminiscências de infância. Que lindo! Agora a Malu foi desencavar essa guria choramingas, daqui a pouco ela tá aos prantos, lembrando, lembrando....

Malu: Uff.. a senhora é impossível. Eu não desencavei a Luiza. Ela estava lá na foto, na poética..

Maria Luiza: Tava demorando, a palavra... a poética...se não falasse a poética não seria você...pra mim, já deu por hoje. Estou satisfeita... valeu mesmo. Fotos, delírios e poética... claro.. como eu não poderia imaginar.. a poética da foto com a poética da Luiza... uff...



domingo, 21 de julho de 2013

Leoas e acordar cedo


Maria Luiza: Muito tarde.

Malu: Bom dia, pra senhora também.

Maria Luiza: Você não entende. Acordar tarde não faz sentido, na nossa idade. Não combina. Temos um milhão de coisas pra fazer, sempre, de segunda a segunda.

Malu: Pois então, eu me canso. Preciso descansar às vezes.

Maria Luiza: Mas você nunca ouviu falar que Deus ajuda quem cedo madruga?

Malu: Então, ouvi, mas acho injusto.

Maria Luiza: Coméqueé? Você agora, na sua arrogância adolescente juvenil tardia, vai querer julgar .... Deus?

Malu: Não, não é Deus. Não foi Deus quem disse isso. Foram as pessoas. Quem me garante que isso não é apenas uma estratégia do capitalismo mundial integrado, para fazer as pessoas produzirem, produzirem, produzirem o tempo todo? Eu preciso dormir, às vezes.

Maria Luiza: Lá vem você e suas teorias. Capitalismo Mundial Integrado... Criatura. Você não reparou que, quando levanta cedo, o dia rende mais, você consegue fazer mais coisas...?

Malu: E fico com mais sono. Sim, reparei sim... Quanto às minhas teorias, eu gosto delas. Falam de fluxos abstratos, desejo, espelho, amor... teorias da melhor qualidade...

Maria Luiza: Pra justificar seu jeito... maluca..né?

Malu: Ah... o próprio Umberto Eco disse que a gente cita os autores com os quais concorda ou cita pra discordar. Então, meu referencial teórico é todo de gente doida, que ama, que brinca, que vive o prazer, que quer viver alegrias enquanto produz Ciência, que entende que tudo é a mesma coisa, que somos poeira do universo, que estamos todos juntos....

Maria Luiza: Eu sei, já as conheço todas. Até porque você vive declamando esses conceitos como se poemas fossem...

Malu: Há uma poética nessas teorias...

Maria Luiza: Mas lá vem você de novo com a poética... você é reencarnação do Aristóteles?

Malu: Não sei, acho que não. Mas gosto muito de algumas coisas que ele disse.. ou que disseram que ele disse... coisas que ficaram expressas como sendo dele: “O ser é expresso de muitos modos”, por exemplo. Até usei na minha tese. É uma das orientações da minha teoria.

Maria Luiza: Pode parar. Não sou tua aluna, nem tenho tempo pra isso. Estávamos conversando sobre acordar mais cedo.

Malu: Então, acho injusto, se Deus reaaalmente só ajuda quem cedo madruga. Por que não ajudar os outros? Eu, por exemplo. Quando levanto tarde é porque fiquei até de madrugada fazendo algumas coisas sempre interessantes. Escrevendo artigos, por exemplo.

Maria Luiza: Sei, escrevendo artigos.

Malu: Sim, escrevendo artigos também, lendo, conversando, assistindo tevê, planejando, namorando... gosto da noite, gosto da madrugada, de ficar até mais tarde...à noite parece que os sentimentos afloram, o inconsciente brota mais fácil, tudo é melhor.

Maria Luiza: Sei, mas no outro dia, acordar tarde também faz uma diferença grande. O dia não rende ... o tempo parece que encurta. Eu não sei. Deve haver uma explicação física para isso. Nós devemos ter uma relação com o tempo diferente, dependendo do horário que acordamos. Eu sinto isso. Por isso, gostaria que você acordasse sempre às cinco.

Malu: Oooo quê?! Às cinco? Mas na maioria das noites vou dormir às duas, três? Como vou acordar às cinco? A senhora está com tendências suicidas. Se eu acordar às cinco, não podemos fazer muita coisa durante o dia, dirigir, por exemplo, nem pensar. Vou estar como uma sonâmbula.

Maria Luiza: Você é uma exagerada. Dramática. Mas sobre acordar cedo...

Malu: Então, acho injusto. Veja bem, cada pessoa tem seu ritmo, há funções diferentes na sociedade. Deus é Deus de todos. Penso que deveria ajudar também quem tarde madruga. Seria mais democrático.

Maria Luiza: Pelo amor de Deus, não misture Deus com democracia, nem com nada parecido. Também não fale em igreja ou religiões... Deus é maior, Deus é literalmente todo poderoso.

Malu: Nossa, falou boniiito. Tá inspirada. Viu como a noite valeu a pena? Acordar tarde também faz bem, às vezes. Então, Deus, como todo poderoso, não deveria discriminar seus filhos, pelo horário que acordam. Não sei, eu penso isso ao menos.

Maria Luiza: Olha Malu, contigo, até Deus tem que ter paciência. Vamos parar porque tenho que trabalhar pra sustentar tuas loucuras....



sábado, 20 de julho de 2013

Leoas, casas e romances....

Malu: Em cada canto da casa de Porto Alegre, pedaços meus, amontados nas lembranças dos objetos e lugares. São cenas e cenas que passam de novo à mente, trazendo passado. Cada coisa ali tem uma história. Muita coisa ali. A casa é muito grande. Na verdade é um apartamento grandalhão, daqueles de prédio antigo. Um prédio antigo em pleno Bom Fim (bairro Bom Fim, pra quem não é de Porto Alegre). O apartamento é tão grande que são dois. Sim, 201 e 202. Comprei  ‘um’ apartamento que são dois, há muitos anos, em outros tempos da vida. Estava grávida de seis meses da Chiara,  minha quarta filha. Lamentava a constatação de que teria que mudar de casa. Na época, era casada e já tinha três filhos. Não cabíamos no outro apartamento, que também era muito bem localizado. Não gosto de me mudar de casa. Eu me apego aos lugares que vivo, faço-os meus. Sempre fui assim, desde a casa da minha avó. Sempre reparei em tudo e me senti me misturando ao lugar. Cada buraco da parede, cada imperfeição, era também minha e assim formava uma poética da minha relação com a ‘casa’. Os enfeites, os adereços, detalhes... coisas de menina. Da Menina Luiza.

Maria Luiza: Isso, coisas de menina. Você fala, com se ainda fosse menina. Não é mais. Lamento informar. Tem que olhar pras suas casas com o olhar prático operacional de quem provê sustento, de quem garante a existência ali e no lugar. É chefe de família, de uma grande família, com quatro filhos adolescentes e um jovem adulto. Não é mais tempo de poetizar, de se embevecer com os detalhes do tempo, do vento e do raio que te parta inteira....

Malu: Nossa, que amargura! Como diria uma nossa conhecida: “Quaaanta grosseria!”. A senhora interrompe um fluxo de pensamento, em que estou refletindo sobre a relação das pessoas com as casas, com o lugar de vida, falando da nossa relação com o ambiente cuidadosamente produzido. Interrompe como lâmina, como sempre.

Maria Luiza: Alguém de nós precisa ter a cabeça no lugar. Se eu deixar por você, seguimos apegadas a tudo o que é passado. Você é uma criatura impossível. Impetuosa e apegada. Não se desfaz de casas, não se desfaz de romances...

Malu: Hum... não muda de assunto. Esse é outro desentendimento nosso...

Maria Luiza: Engano seu. É tudo a mesma coisa. Você constrói as histórias, vive as histórias do mesmo jeito que ajeita os lugares de vida. Constrói os espaços das casas como narrativas de você mesma: uma boneca aqui, uma lembrancinha de viagem, uma gravura, uma esculturinha de Barcelona, panelinhas de cobre do Chile, azulejos de Portugal.. bom, bonecas não vou nem contar... você romantiza tudo. Acredita que tudo é verdade como poética da existência.

Malu: Ah, não. Há poética na existência. Tudo o que eu vivi foi verdade, foi vivido intensamente.

Maria Luiza: Criatura, criatura, veja bem. A verdade é um conceito complexo. Pergunta pra doutora Cardinale. Você faz a verdade intensidade poética. Nem sempre as coisas a tua volta são assim. Elas são assim dentro de você. Tudo imenso. Tudo verdadeiro. Tudo imensamente poético. Aí você se apaixona por porta, parede, sofá, banheira. Você viveu tudo com uma poética construída com o mar de afeto que a caracteriza.

Malu: Não. Não vivi minha vida sozinha. Antes pelo contrário. As melhores histórias são histórias partilhadas. As melhores lembranças, as mais intensas, as mais alegres e mais tristes também são as cenas em que há pessoas importantes da minha vida, ali, junto de mim.

Maria Luiza: ‘Queriida’, você é escritora. Você escreve a parte que lhe interessa das histórias e das lembranças. Você lembra o que mais gostou, as cenas que achou bonitas, as alegres e as tristes. Eu venho tentando te dizer: ‘saudade é sentimento ligado ao passado. O passado não alimenta presente e muito menos futuro’. A regra, então, é: esquece! Você tem que aprender a viver o presente, aprender a viver o que sobrou do passado, o que, de fato, conseguimos construir depois das vivências tantas, em Porto Alegre, Caxias, somando tudo... Às vezes, você esquece momentos importantes. Momentos que significaram rupturas e maltratos. Você esquece alguns momentos, mas não esquece o que deveria esquecer. Fica assim meio que aprisionada na lembrança. Chega a me dar raiva da tal música que diz: “Você é a saudade que eu gosto de ter!”... isso é masoquismo, sandice...

Malu: Lembro tudo. Sei bem o que a senhora lembra, quando diz isso. Uma determinada madrugada, uma madrugada específica. Uma ‘madrugada texto’. Eu sei. Deveria ter ‘lido ali’, deveria ter ido embora, sem falar nada. A relação com a casa. A dificuldade de me sentir em casa. O mal-estar. O desfecho estava claro. Eu sei o que deveria ter feito. Não fiz. Eu respeito meus tempos. Era outro tempo. Outro momento. Não fico me lamuriando pelo que não fiz. Com o tempo, eu aprendi a me ‘des-culpar’, a tirar a culpa pelo que não consegui fazer no passado. Fiz o possível.

Maria Luiza: O possível é pouco, querida doida maluca parceira de vida minha. Temos que fazer o impossível. Você não só se desculpa, você tira a gravidade da cena. Passa por cima. Tanto é que demora a tomar uma decisão, quando ela realmente importa. Sua amorosidade derramada é um descalabro. Uma insensatez.  Em outros casos, é impetuosa e decide rápido demais. Falta reflexão. Realmente, assim não dá pra ser feliz.

Malu: Parabeeeéens! Espetáculo de frases! Uma beleza.  A senhora gosta de frases de impacto. Gosto de refletir, mas realmente esse não é meu ‘dom principal’. Sou a parte de nós que aciona o movimento, que põe o barco em ação, o motor pra trabalhar, nas invencionices, nos movimentos desejantes... vou criando coisas, amorosidades, sim, romances com a vida, romances que escrevo, que vivo... porque isso me põe viva. É o que faço agora... é o que faço sempre. Desse modo, também reinvento as madrugadas. Não fosse assim, não haveria ‘madrugadas de olhos imensos e intensos’, a senhora sabe.... risos...

Maria Luiza:  Tá criatura... sem detalhes...  Melhor frases de impacto que bordões folhetinescos. Você assistiu muita novela na vida. Isso afetou seu cérebro.

Malu: Nosso cérebro, a senhora quer dizer.

Maria Luiza: Não me lembre isso. Sim, nosso cérebro. E eu passo o tempo todo tentando consertar, minimanente. Em vão. Quando estou tentando planejar, pensar sobriamente sobre as possibilidades, vem você ou a menina Luiza e desandam tudo... parecem bêbadas... da vida.

Malu: Oooh... nem tudo está perdido. A senhora está fazendo poesia... risos.

Maria Luiza: Poesia é o escambau! Estou aqui preocupada, pensando em providências necessárias para as nossas casas, de Porto Alegre e Caxias, tanta coisa para organizar envolvendo as crianças, ops.. os filhos, eles não são mais crianças e isso dá ainda mais trabalho, mais todo o planejamento da Universidade e... claro... as novidades da Pazza Comunicazione... os novos projetos...

Malu: Bah.. chega.. já estou cansada... só de pensar nisso.

Maria Luiza: Eu sei. Eu sei... eu também. Acho que vou ver um pouco de novela, pra ver se fico tonta, feito você, e não me preocupo tanto. Até a próxima.


sexta-feira, 24 de maio de 2013

IMAGEM DE DENTRO

Interessante encontrar essa imagem e texto nesta manhã. Tenho pensando bastante nisso, em função das minhas pesquisas e da minha própria vida.

 Na Universidade de Caxias do Sul, desenvolvo uma pesquisa intitulada Imagem, Sujeito e Mídia. No dia a dia, percebo que a trama entre a imagem de si e a imagem do outro interfere em uma série de situações existenciais importantes.

Nesse sentido, este é um grande desafio: aprender a ver a 'imagem de dentro' de si mesmo e do Outro. O que há nessa imagem que encanta, seduz e nos mantém em estado de amor, em enamoramento em relação ao Outro e de valorização de nós mesmos, com a construção de uma autoestima adequada?

Entendo que, quando amamos a 'imagem de dentro' do Outro, conseguimos um amor pra vida toda, independente do que aconteça. Quando reconhecemos a imagem de dentro de nós mesmos, somos mais pacientes com nossas imperfeições, aprendemos a nos ‘des-culpar’ do que não conseguimos. Acreditamos que, assim mesmo, imperfeitos, em qualquer tempo, temos nossa potência imanente. Basta acioná-la.

É como se quebrássemos um espelho, uma vidraça do ‘si mesmo’ e mergulhássemos numa essência do sujeito, nós mesmos ou o Outro.  A imagem de dentro não é fachada, não é a máscara, não se resume a uma estética, nem à aceitação dessa imagem por esta ou aquela pessoa. A imagem de dentro não depende de admiração, nem aprovação do círculo social. A imagem de dentro é o que é, humanamente imperfeita.

No espelhamento amoroso, na troca de investimentos desejantes em busca de felicidade, o bom, mesmo, é quando se consegue 'o encaixe' e a paciência mútua para superar, 'sobre'viver às dificuldades do Outro. Viver enamorado é conviver com os nossos 'apesar de'...


Desejo que sejamos amados pela nossa ‘imagem de dentro’ e que essa imagem seja cada vez mais voltada para a amorosidade e o bem-querer-bem.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

PARA NÃO NAUFRAGAR...

Prazos, prazos e mais prazos. Prazos despencam do teto sobre nossas cabeças e se espatifam no atropelo dos dias. Prazos de artigos. Prazos de projetos. Prazos de relatórios. Prazos para enviar trabalho para eventos. Prazos para fazer inscrição disso e aquilo. Prazos para mais uma chamada imperdível de trabalho. Prazos para fechamento de projetos e trabalhos. Prazos de clientes. Prazos para entregar os originais para publicação. Prazo das matérias jornalísticas.


Prazos meus, teus, nossos. Prazos dos filhos meus. Os prazos que me dei para fechar esse ou aquele ‘nó’ não resolvido. Os prazos que não cumpri e outros a que me antecipei. Prazos que me dei e que têm me ensinado a me (des)culpar, porque os prazos são do Universo, do Universo Maior.

Olho em volta e vejo amigos e conhecidos, todos, imersos em um mar de prazos. Talvez estejamos todos em uma outra espécie de ‘navio’... numa viagem constante para uma vida que não se sabe bem onde vai dar, qual é o ancoradouro, o porto, qual é o destino dessa gente toda se debatendo, nesse mar, para continuar nadando e ... cumprindo prazos. Bem, diante disso, para aliviar... ‘agora um poema’, trecho de O Navio Negreiro, de Castro Alves, porque me parece mais que oportuno.

“'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...”


Nessa grande Viagem, nesse mar de tarefas, o alento parece ser a dimensão poética da existência e os laços fortes que fazemos com algumas pessoas. É o que eu chamo de substrato amoroso, de amoramizade... pra não me afogar no mar... de prazos, sem rumo, sem lógica, sem explicação. Então, para o verso do poeta, minha resposta é não importa qual o céu ou o oceano: o que importa é com quem estamos, quem viaja conosco e se dispõe a partilhar esse céu e esse mar e enfrentar as tempestades e as brisas. Assim é. Parceria sem prazo pra acabar! Amor, nas suas múltiplas manifestações!









domingo, 19 de maio de 2013

LEOAS E A LAGARTIXA 2


Maria Luiza: Ahh... mas eu não estou acreditando que você botou esse título. Eu não vou seguir conversando sobre lagartixas de novo...

Malu: Mas eu tinha prometido contar o plano, não posso trair a confiança dos leitores, se é que temos algum. Em todo caso, eu preciso ser leal, para o caso de um dia termos leitores... disse que contaria o plano e preciso contar. Eu sou uma escritora desconhecida. Então, não posso arriscar. Se assim, desconhecida, traio a confiança de devires leitores, corro o risco de que eles não surjam. Seria uma maluquice uma escritora iniciante trair leitores que ainda não existem e....

Maria Luiza: Então fala logo, criatura sem ocupação. Sim, porque só uma criatura sem ocupação para querer retomar o diálogo sobre a lagartixa e sair falando doidices, sobre leitores fantasiados por ela mesma. Você não vê que temos milhões de coisas pra fazer?

Malu: Nós sempre temos milhões de coisas pra fazer e nem por isso vou deixar de escrever. Escrever é um dos meus sustentos..

Maria Luiza: Chega! Eu não vou ficar aqui ouvindo/lendo seus velhos bordões, suas frases de efeito, ainda mais se puxa conversa pra falar de ‘lagartixa’. Não vê que é tudo loucura? Não vê que temos que tocar a escrita dos artigos?

Malu: Eu sei de dois amigos que vão rir, se, por acaso, chegarem a ler isso...

Maria Luiza: Sim... eu sei também. Os outros dois mosqueteiros. Eles falam brincando. Sabem que levamos a sério os artigos. Eu, pelo menos, levo. Você eu não sei, fico em dúvida.

Malu: Ah.. não, nem vem. Isso a senhora não pode duvidar. Sou obstinada, compenetrada, dedicada aos meus artigos. Aqueles dois ficam ironizando, porque é da natureza deles...digamos assim.

Maria Luiza: Tá... vamos deixar isso pra lá. Fala logo o que tem pra dizer da tal lagartixa. Ela sumiu não foi?

Malu: Sim, até nisso é traiçoeira. Não posso botar meu plano em ação, sem que ela apareça.

Maria Luiza: Mas criatura, você não deveria estar satisfeita com o desaparecimento dela?

Malu: Deveria, se tivesse certeeeeza que ela foi embora. Mas ela desapareceu quando? Quando chamei reforços. Assim não vale. Não aparecer, quando corre risco, é coisa de covarde. Pior que lagartixa, só lagartixa covarde. Você sabe que ela não continuaria ali, se aparecesse naquele momento. Mas não, a traiçoeira fez o quê? Escondeu-se.

Maria Luiza: Ou foi embora. O ‘reforço’ disse que ela foi embora, que é quase certo, que, pelos hábitos dela, deve ter ido embora. Ele disse que entende de lagartixa...

Malu: Isso não me basta. Eu confio no ‘reforço’, mas não a ponto de acreditar que aquela criatura falsa, bege transparente, de olhos esbugalhados (hum.. lagartixa tem olhos? Não tenho certeza, ao mesmo tempo em que a imagino com os olhos esbugalhados)... tenha ido embora, assim, sem mais... enquanto isso, meu closet continua interditado, fechado. Entro pegar alguma coisa, olhando pra todo lado, como se fosse uma agente secreta, cuidando, cuidando... cuidando...

Maria Luiza: Você está ficando gagá... onde já se viu, entrar no próprio closet desconfiada, por causa de uma lagartixa.

Malu: Ah.. e você não?

Maria Luiza: Eu não. Meu cérebro está ocupado com outras coisas. Não vai me dizer que você acha que eu, a sensata, vou me preocupar com lagartixa.

Malu: (risos) sei bem com que você se preocupa (mais risos).

Maria Luiza: Mas olha isso. Você está me confundindo com você mesma. Estamos no mesmo barco, mas nossas preocupações são bem diferentes. Eu estou ocupada com os deslocamentos e o sustento da família, enquanto você... bem, você sabe...

Malu: Eu ajudo muito no trabalho, mas à minha maneira. Também vivo e reinvento vida, busco alegria, invento moda, invento palavras, gosto de inscriacionices, de agenciamentos desejantes em busca de felicidade.

Maria Luiza: Não posso negar. Disso você entende mesmo!

Malu: Aleluia! Ela concordou com alguma coisa e, mais ainda, alguma coisa boa em mim. Ufa. Achei que não ia viver, para ter um momento desses (risos).

Maria Luiza: Mas a criatura é maluquinha mesmo. Como eu não iria ver algo bom nela? Certo que é doida. Certo que é uma destemperada. Certo que não pensa antes de fazer um monte de coisa. Certo que se mostra uma idiota com medo de lagartixa. Certo que...

Malu: Pronto.. voltou ao normal.. .bah.. até a próxima.





terça-feira, 14 de maio de 2013

AS LEOAS E A LAGARTIXA



Maria Luiza: E então, onde está a valentia da Graaande Malu? Não acha que é um pouco de fiasco demais ter medo de ... lagartixa? Pra onde vai todo o seu discurso de coragem na vida e força pra enfrentar desafios?

Malu: Bem, desafios tudo bem, eu enfrento. Não enfrento é lagartixa. Aí já é um pouco demais. Ah.. mas e você.. não tem medo? Então vai lá e encara a tal da criatura essa? Eu não sei as outras pessoas, mas realmente não consigo conviver com uma lagartixa que, de repente, sem mais nem menos, resolveu ‘morar’ no meu closet e banheiro privativo. Não tem cabimento, eu pago IPTU, condomínio, prestação do apartamento e ela? Nada. Apenas resolveu de dentro do seu cérebro...Tá, eu sei que ela não tem cérebro, quer dizer, imagino que não tenha. Não entendo nada de anatomia de lagartixas, a não ser o absurdo de que ela perde o rabo, se eu bater nela... Eu não posso confiar num ‘ser’ assim. Bom, mas, como eu ia dizendo, ela decidiu dividir o espaço comigo. Eu não aceito. Vivo sozinha há muitos anos. Closet e banheiros meus, em Porto Alegre ou Caxias do Sul, em qualquer uma das minhas casas, só recebem visitantes especiais. Não vai ser uma l a g a r t i x a que vai mudar essa regra. Putz.

Maria Luiza: Você fica ridícula fazendo esse discurso insano. Bem, mas eu já disse tantas vezes: discurso insano, no teu caso, é praticamente uma redundância.

Malu: Nossa, mas e eu que achei que estávamos integradas, que você estava silenciosa há tanto tempo que imaginei que estivesse satisfeita comigo, com meus avanços.

Maria Luiza: Avanços? Onde? Quem? A que avanços exatamente você se refere?

Malu: Mas pelamordeDeus! A senhora não vê? E tudo o que tenho feito ultimamente? Eu sou praticamente uma outra pessoa, mais madura, mais sensata, eu quase que nem me reconheço.

Maria Luiza: (rindo) Ah.. tá, agora conta aquela do papagaio. Essa é muito boa. Ou nós enlouquecemos de vez e estamos vivendo em planetas diferentes, ou não houve essa mudança toda e você está tendo mais um dos seus delírios típicos de quem não se conhece bem.

Malu: Tá, tudo bem. Não é uma mudança radical, mas eu vejo avanços. Tá, ainda tenho medo de lagartixas. Tenho medo de seres minúsculos e nojentos.

Maria Luiza: Depende do ponto de vista.

Malu: Não. Neste caso, não depende. Ela é muito menor que eu.

Maria Luiza: Mas é você quem se paralisa horrorizada, diante dela. Ela não parece te dar a mínima...

Malu: Mas aí é que está, eu já tentei de tudo. Não há diálogo. Não adianta. Nem a Doutora Cardinale me ajuda, neste caso. Não há maneira de estabelecer comunicação com uma...digamos.. lagartixa. Ela fica impassível, ali, me olhando, impávida, sem esboçar uma expressão...aí, de repente, faz o quê? Se movimenta bruscamente, o que você queria? Eu saio correndo aos berros, pra me defender?

Maria Luiza: Hahahahaha... impossível. Uma mulher desse tamanho, chefe de família, correndo aos berros, com medo de uma lagartixa.

Malu: Bem, as opções são poucas. Eu já pensei em chamar os bombeiros, como fiz no caso dos morcegos. Você lembra, duas vezes entraram morcegos aqui em casa? Pois é. Eles vieram, mas vieram rindo... só que, se eu chamar para me socorrer por causa de uma ... lagartixa, suponho que não vão rir... pior, temo que eles não venham... Por alguma razão que não entendo direito, as pessoas acham que eu deveria ter coragem de enfrentar uma lagartixa. Não tenho.

Maria Luiza: Você é hilária. Melhor: tragicômica. Patética.

Malu: Tá... desisto.. você não entende. Não, como diria Madeleine, eu tenho um plano. Depois conto...