domingo, 7 de outubro de 2012

Leoa Malu e o ‘Rumo Da Prosa’


Malu: Então, está satisfeita, dona Maria Luiza?

Maria Luiza: Com o quê?

Malu: Com a nova configuração existencial? As mudanças, o substrato transformado. O discurso da leoazinha Luiza. Fala de gente grande, aff...

Maria Luiza: Nada. Não acredito em superficialidades. Não sei ainda a consistência dessa racionalidade súbita. Não sei se isso não é passageiro. Se as desistências não são apenas instinto de sobrevivência, blindagem, pra seguir adiante... apenas isso.

Malu: Superficialidades? Mas a senhora se dá conta o que aconteceu? Fico pensando no filme que assistimos no Amorcom!: “O Ponto de Mutação!”, baseado na teoria do Fritjof Capra. É isso. Parece que algo se desalojou dentro de nós e produziu uma mutação no ‘sistema’ interno...uma mutação cósmica, no que há de nós que é cosmo, entende?

Maria Luiza: Ah.. tá.. pára, Malu. Nada de muito mirabolante. O que parece é que nos cansamos de sentimentalismos. Sabe o nome disso? Exaurimento. Exauriu o sistema, só isso. Não há mais lágrima, não há mais disposição interna pra ficar enamoradinha ou mamãezinha.. ou qualquer coisa ‘inha’, quando a vida bate lá fora e todos os dias o galo nem canta mais ou, se canta, canta longe de nós, porque resolvemos nos enfiar numa cidade grande, bem diferente de onde viemos...

Malu: Eu, por mim, me mudava pra o interior de São Paulo.

Maria Luiza: Sei, você e a Luiza. Viajamos pra lá e vocês se encantaram com o reencontro com o lugar, com o que viveram lá.

Malu: Coisas simples, dona Maria Luiza. Coisas simples. Somos simples, a senhora bem sabe disso. Conhecer vários países do mundo, ser intelectual, ter doutorado em Comunicação pela USP, viagens nacionais e internacionais. Nada disso muda a matriz. Somos gente simples, simplesmente amorosas.

Maria Luiza: Ai.. não me vai ter uma recaída romântica. Aí eu perco a paciência!

Malu: Como eu sempre digo: ninguém pode perder o que nunca teve. A senhora nunca teve paciência. Quer tudo na hora, do seu jeito. É mandona. Autoritária.

Maria Luiza: Não gosto de enrolação, nem dúvida, nem de choraminguice. Meu negócio é jogo lógico: A ou B. Vetor prático operacional. Você me conhece.

Malu: Nossa.. me arrepio com sua lógica. Não gosta de dúvida! Que beleza. Mas Meu Deus, onde estão as certezas? A senhora tem a pretensão de ter certezas? Eu falo em O Ponto de Mutação e isso não tem nada a ver com certezas. A senhora diz o quê?: “Não gosto de dúvida!”. Pode não gostar, mas isso não muda nada. A maioria do mundo é dúvida.. é incerteza.. é probabilidade. Nem fui eu que inventei isso. Nós já estudamos bastante pra senhora vir com discurso raso.

Maria Luiza: Calma, calma... eu sou a mais racional de todas nós. Também estive na linha de frente dos nossos estudos. Então, sei bem do que você fala, sei da mutação cósmica, das teorias da física quântica, dos fatores de sincronicidade, etc etc etc na mesma data...

Malu: Hum, só falta agora recitar o currículo!

Maria Luiza: Depois, eu que sou a impertinente. Eu só estava tentando dizer que entendo isso, da mutação cósmica, lógico. E justamente por isso não aguento a paralisação emocional, em função de nada. Se tudo é movimento, por que não eu? Por que não nós? Por que ficaríamos paradas... esperando Godot? Esperando o trem, esperando amém....entende isso?

Malu: Entendo, claro que entendo, mas isso não tem a ver com certeza ou dúvida.

Dra Cardinale: Mas, Malu, por que a irritação? Você está descontente com o que chama de ‘rumo dos acontecimentos’?

Malu: A senhora sabe, a prosa não me favorece. Não são as minhas opções que estão prevalecendo. Tudo tenho que aceitar, entender, ter paciência, calma. Odeio que me peçam calma.

Dra Cardinale: A questão é você entender o básico, a vida. Você traz acionada a metralhadora de desejos e a urgência da mistura da adolescente e a jovem adulta. Tem pressa, tem urgência pra tudo. Você acusa a Maria Luiza, mas também gostaria de controlar o resultado, os desfechos. Também tem dificuldade de entender, na prática, na vida, a mutação cósmica, no que diz respeito ao tempo de espera, aos riscos de não brotação, à dureza dos sacrifícios para sobreviver às intempéries... o vazio no núcleo, o átomo, para falar um pouco de teoria complexa, que sei que é coisa que você gosta.

Malu: É, eu me empenhei por compreender o mundo de complexidade que nos rodeia.

Dra Cardinale: Também precisamos compreender a complexidade do mundo interno. E não é só entender para discursar, entender para elaborar racionalmente o discurso na superfície, porque isso a Maria Luiza faz com maestria. Ela declama teorias. É preciso pulsar o saber, fazer valer nas tripas, no coração, na pulsação toda. Como diz o Restrepo, no livro O Direito à Ternura, ‘splacnisomai’ – sentir com as tripas. Ou você respira e faz circular nas nossas veias o nosso saber ou ele não vale a vida, não nos ajuda. Já é hora de serenar.

Malu: Hum... serenar.. risos..

Dra Cardinale: Mas que criatura, estou falando sério!

Malu: Nunca vi a senhora brincar, mais parece a Maria Luiza.

Dra Cardinale: Melhor me tirar da mira da tua metralhadora de acusações. Eu existo para compor, pôr junto, juntar, ajudar a alinhar as leoas. A propósito, vê se te ‘apruma vivente’, como diriam os gaúchos.

Malu: Uff...mais uma a me xingar...





A CASA DOS MEUS SONHOS


Tenho pensado muito na grandiosidade do significado de ‘casa’ pra mim, significado das minhas casas, das casas que tenho e das casas que tive, das casas que sonho, também, da ‘casa dos meus sonhos’. Diferente da maioria das pessoas, quando penso na expressão ‘casa dos meus sonhos, a imagem que me vem à mente é a da casa dos meus avós, que também foi a minha casa, quando eu era criança. A casa dos meus sonhos, a casa onde eu sonhei meus sonhos de menina, aqueles que têm o substrato de sonhadora maior, a base da leozinha Luiza, amorosa de nascença, apaixonada por jabuticabas e encantada pelo mundo.

Recentemente visitei Guarantã, a cidade onde nasci, e como faço todas as vezes em que vou à cidade, também desta vez dediquei um tempo para visitar ‘a casa’. Meus avós não estão mais lá. Faleceram há vários anos. Eu estava longe, quando isso aconteceu. Tenho, no entanto, em mim, lembranças inteiras, imensas, que marcaram a infância e que foram o palco da construção dos sonhos deste ser eu mesma, que agora escreve. Ali, naquela casa, nas madrugadas em que passava lendo, eu imagina o devir, o que deveria ser minha vida. Na casa simples, de madeira, que hoje está desabitada e vai ser reformada, eu aprendi a valorizar cada canto, cada espaço, aprendi a sonhar. Ali eu sonhei que seria escritora um dia, que viveria escrevendo, criando personagens, dedicando a vida a escrever e a ensinar. Ali eu produzi minhas inscrições ficcionais iniciais, escrevi poemas e li, li muito, quase que na mesma proporção com que imaginei o futuro. Futuro de um eu Luiza, que se formava enquanto tentava compreender o mundo, encerava o chão da casa pra vó, aprendia a bordar, fazer crochê, trançar barra de pano de prato e, nas madrugadas, lia e escrevia.

Na frente da casa, havia um jardim. Claro, no jardim, havia margaridas brancas, que floridas enterneciam a vida. Havia também rosas, dálias, palmas de Santa Rita, flores do campo e outras que não sei o nome. Lembro, em especial, das brincadeiras em meio a essas flores, com um dos meus irmãos, o Toninho. Durante um bom tempo, minha vó cultivou o jardim e se ocupava de acompanhar a brotação. Explicava a diferença das flores, o tempo de brotação, o modo de cultivo e renovação de cada uma delas. Eu me inquietava com o fato de que alguns canteiros não ficassem floridos o tempo todo. “Seria mais bonito, se tivéssemos flores o tempo todo”, eu pensava. Minha vó, pacientemente, explicava que não era assim, que as flores precisam brotar de novo, que teríamos que esperar, que ainda não era tempo. Eu aceitava, mas preferia que fosse diferente. Hoje percebo que o ‘tempo de brotação’, a espera, o tempo da florada, depois, a alegria da presença das flores abertas, exuberantemente encantadoras... tudo isso faz parte dos ciclos da vida e também ensina a compreender outras esperas, outros processos de semear e esperar, semear e esperar... semear, cuidar e esperar a brotação. Paciência para, um dia, ver a florada. Esta parece ser a ‘mensagem’.

Nessa casa, eu sonhava com meu futuro amoroso e já tinha claro que o amor é o bem maior, que o amor seria sempre a minha opção, meu motor existencial pra vida toda. Era uma visão pueril, ingênua, ainda romântica. Hoje estou bem diferente disso, mas ainda conservo o traço da amorosidade, em sentido amplo. Ainda acredito em fadas, duendes e outros seres do mundo abstrato, mas do amor romântico quero distância. A maior possível. O amor romântico é pautado pela idealização do Outro e isso é construção antecipada de decepção. Não há quem dê conta da idealização, porque ela tem componentes de ilusão e fantasia, que não combinam com vida real. O Amor existe, sim, mas também tem que ser cultivado todos os dias, tem diferentes tipos de brotação e tempos. Também não há possibilidade nenhuma de controle. O amor é da natureza. É ‘a’ natureza em nós. Vai brotar, ou não, na mistura de substâncias várias, no encontro de laços de afeto e onde houver terreno propício para a brotação. Se não brotar, não é culpa de ninguém. Não é uma sentença de impossibilidade, apenas uma confluência de fatores que fizeram não acontecer ‘ainda’. Não há que se preocupar exageradamente, porque o dia anoitece, depois amanhece, depois, como acontecia no jardim da vó Zefa, tudo começa a brotar de novo, tudo pode ser. Então, de novo haverá margaridas brancas e bem-quereres. Assim é.