segunda-feira, 25 de junho de 2012

Leoas e as emoções de sianinha

Maria Luiza: Ah... começou a semana bem! Emocionada com o trançado de flores de sianinha. Você não tem como ser admirada, dessa maneira! Emoções de flores de sianinha. Só você mesma!


Malu: Nossa, que mau humor! Não vejo nada de mais. Vejo, vejo o encanto das flores de sianinha. É um encanto múltiplo. De flores, que me lembram a fábrica de flores Santa Rita, onde cresci, aprendendo a trabalhar, lindamente produzindo flores. Você sabe, a fábrica da minha mãe. De trançados que aprendi com a minha avó, a costura, o cuidado com os panos de prato, as toalhas de crochê.

Maria Luiza: Sim, é óbvio que conheço a história! É a ‘nossa’ história, lembra? Você não é dona de todas as lembranças, nem das mais belas.

Malu: Meu Deus, mas o que foi? Está irritada assim por quê? As flores de sianinha te fizeram tão mal?

Maria Luiza: As flores de sianinha, o rosa degradê dos tons, tua pieguice derramada, até poemas declamou no evento da UCS. Assim, a semana começa no derramamento amoroso. Assim não é possível produzir em paz. Depois, tantas lembranças adiantam o quê? Temos uma vida imersa em um motor produtivo, que mais parece um moedor de carne, sendo que a carne...é a nossa. Produção é que precisamos. Dar conta do dia, dos ‘a-fazeres’. Olha aí que esse negócio de poesia é contagioso. Já estou, eu mesma, me lembrando dos teus poemas.

Malu: De que produção a senhora fala? Textos, artigos, revisões, orientações. Se observar bem o dia, vai ver que fiz tudo o que tinha que fazer e com qualidade. A questão é que, como sempre, acabei encontrando um tempo para o amor, para demonstrar o amor. O amor para com o homem dos olhos que nos meus olhos refletem minh’alma, para a amorosidade expressa no texto terno sobre as flores de sianinha e, depois, nas poesias declamadas no saguão do CETEL. Não necessariamente nesta ordem, risos. Tá, confesso que fiquei meio tímida, para declamar meus poemas.

Maria Luiza: Tímida nada. Ainda não vi tamanha habilidade para se expor, assim amorosamente derramada, ‘afetivamente afetada’, como dissemos na abertura da tese.

Malu: Prefiro a definição do Julinho da Adelaide. Ele disse que sou uma ‘cachoeira de poesia’. Gostei da definição. Uma cachoeira de poesia é um espetáculo. Quem dera eu fosse! Quem sabe um dia eu seja! E aí, então, em algum momento, minha escrita vai fazer sentido para as pessoas, vou levar mais amorosidade, ternura, substrato amoroso para as pessoas, o que parece ser minha ‘grande tarefa’.

Maria Luiza: Hum, a situação complicou. O Julinho deveria ter pensado no que poderia produzir. Você já é derramada por natureza. Se alguém apoiar, então, estamos perdidas. Vai passar o resto dos dias fazendo poesias.

Malu: Poesia só, não. Poiese. Autopoiese. Com o conceito esse, de autoprodução, eu encontrei uma ‘pista’, um caminho de reinvenção, aprendi a reconhecer a potência de fazer emergir de dentro de mim mesma, uma nova Malu, sempre que for preciso. Vivo às turras com a realidade, sofro, me emociono, amo intensamente, mas, independente do que aconteça, eu sigo.

Maria Luiza: Sim, eu sei como você segue. Segue, quando não empaca em alguma coisa, pela qual se apaixona.

Malu: Eu me apaixono, sim, mas estou mais na fase do amor do que da paixão. O amor, sim, este sim não passa. A paixão é vento. O amor é sustento, substrato amoroso. Eu não vivo de vento. O amor tem que ser alimentado, para sobreviver. Eu alimento o amor em que acredito, que me interessa, mas minha atitude pode mudar, mesmo diante de seres amados. Você sabe disso.

Dra Cardinale: Certo, certo, Malu. Também não precisa escavar feridas. Nós sabemos que você também sabe ser ‘pedreira’, se precisar lidar com ‘pedreiras’. Aprendeu na vivência com os filhos, em situações extremas na vida, mas sabe que a orientação é geral: ninguém pode te machucar. Nem o amor pode te machucar. Se tentar, está errado. Deve ficar longe. Precisa se afastar.

Malu: Pois então, doutora, é o que eu penso, mas é que a Maria Luiza adora me tomar para tonta. É como seu eu não soubesse o que faço, só porque sou amorosa, cuidadora, ternamente afetiva com as pessoas que me rodeiam e, principalmente, com quem amo.

Maria Luiza: Não é isso. Só acho que as pessoas que te conhecem, já conhecem o teu texto. Você não precisa ficar repetindo.

Malu: Meu texto não é retórica. Não é texto vazio. Meu texto é pleno de intensidade e verdade. Se alguém não acreditar, ironizar, esnobar, não ligar... meu texto não muda. Minha atitude pode mudar, mas o meu texto é escrito de dentro, de dentro de mim, de dentro do meu coração. Meu coração não vai mudar, minha pulsação não vai mudar. Eu posso calar, eu posso silenciar, eu posso me afastar, eu posso direcionar o texto para outros seres amorosos, mas não vou deixar de amar...

Maria Luiza: Mas é enjoada essa ‘discurseira’ sobre o amor... as pessoas se enjoam, se cansam...imagino que torcem o nariz, dizendo: lá vem aquela criatura falar de amor de novo.

Malu: Ah.. mas essa é impossível. Vou responder com um poema, pra tua indignação. Só que, no caso, é do nosso grande Drummond: “Que pode uma criatura, entre outras criaturas, senão, amar?”. De desamor, o mundo já está cheio. O que mais existe são atrapalhações, pessoas que se afastam, que não conseguem ficar juntas, se aproximar, mesmo diante de sentimentos fortes. Pessoas que ‘optam’ pelo afastamento, para não viverem complicações da vida amorosa quando as vidas se juntam. Então, decidem pelas complicações das vidas amorosas que não se realizam no laço, na convivência. Parece mais seguro. É mais seguro, mas, ao mesmo tempo, é uma condenação ao auto-abandono, às mares desejantes fúteis do cotidiano.

Dra Cardinale: Você não pode julgar. Cada um, cada um. Cada um decide o que é melhor pra si mesmo. Não há modelos, nem fórmulas prontas de felicidade. Cada pessoa tem que saber o que é melhor para si mesmo. É uma relação de custo-benefício. A vida está muito difícil. Todo mundo está tentando encontrar a sua maneira de ser feliz.

Malu: Bem, a senhora desculpe, mas os consultórios psiquiátricos estão cheios de gente tentando encontrar a maneira de ser feliz. Eles também movimentam a indústria farmacêutica, as seitas religiosas sem Deus, o mercado de consumo, com suas ‘satisfações substitutivas’. O desejo, na contemporaneidade, é amadurecido à força, como as frutas, que nós compramos na feira. Vem sem gosto. Desejo fast-food, forçado pelos instintos básicos ou pelo mercado de relações. Isso, pra mim, não serve. Eu já escrevi isso em outro lugar. Eu tenho dito que cheguei em um momento da vida em que vale a máxima: É tempo de errar menos. Penso que as pessoas têm que decidir que tipo de felicidade estão buscando. Eu sei o que busco.

Dra Cardinale: Neste exato momento, precisamos buscar a felicidade do sonho, ou melhor, dos sonhos. Precisamos ir dormir. É madrugada, mais uma vez. Em outra hora, conversamos mais.









sábado, 16 de junho de 2012

LEOAS E A INUNDAÇÃO ...


Maria Luiza: E aí moça, resolveu inundar Caxias do Sul?

Malu: Hum, se vai começar com ironia, é melhor não conversarmos. Não estou com humor suficiente pra aguentar você tripudiando.

Maria Luiza: Não é isso. Estou tentando te chamar a atenção para esse derrame de lágrimas. Você parece uma cachoeira. Daqui a pouco, alguém vai te indicar para resolver o problema da falta d’água do mundo. De onde você tira tanta água?

Malu: Tô dizendo, agora você resolveu ficar engraçadinha. Isso é típica fala minha. Acho que estamos nos misturando: eu ficando mais séria e você mais brincalhona.

Dra Cardinale: Essa é a grande transformação necessária. Achar o meio tom, a mistura dessas diferenças. Encontrar a dosagem.

Maria Luiza: Bom, mas aí já é pedir demais, doutora. Meio tom. Dosagem... são palavras que não combinam com a moça aí...essa maluquinha de plantão o tempo todo.

Malu: Nem tão maluca mais.. nem tão eu mesma, na matriz. Não sei. Algo parece que trincou.

Dra Cardinale: Você já sabe o que é. Nós já sabemos.

Malu: Sim, eu sei.

Maria Luiza: Como você mesma diz: “pedreira”. Os acontecimentos não são fáceis, mas o ensinamento é grandioso.

Malu: Beleza. Uma beleeeza ouvir isso: “o ensinamento é grandioso!”. Isso muda o quê mesmo, no que eu tô sentindo? A minha parte eu quero em outra ‘moeda’. Ensinamentos grandiosos não estão me ajudando agora....

Dra Cardinale: Não faz assim, Malu. Não fala bobagem que agora já é madrugada. Falar bobagem de madrugada é começar o dia ‘bobageando’... Tenho certeza que você sabe que, se não fossem os ensinamentos que temos em nós, seria tudo mais difícil. Faz muita falta compreender o que vivemos. Lembra há alguns anos, quando você se debatia, sofria imensamente, por não dar conta de compreender a cena... Lembra do sonho da cegueira parcial, que ia se modificando? Lembra?

Malu: Lembro, claro que lembro. Sonhei que tinha ficado cega parcialmente. Andava na casa, enxergando pedaços da cena; às vezes uma coisa, às vezes outra... a cegueira essa ia se modificando... como se fossem sendo apagados trechos da cena...com uma lógica que eu não entendia. Na época, eu só conseguia entender que a cegueira não era física... era uma cegueira emocional, considerando coisas que eu não conseguia enxergar.

Dra Cardinale: Pois é. Só que, como diz Saramago, "Cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos veem o que querem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedra, e altas proas."

Malu: Só pra lembrar...eu tenho os olhos míopes...em 'sentido amplo'.

Dra Cardinale: Sim, eu sei, mas hoje você enxerga muito mais, apesar do aumento da miopia dos olhos. Conseguimos viver as cenas e compreender o que estamos vivendo, como se fosse outra cena. É melhor, apesar de sofrermos em função do quanto compreendermos, é melhor.

Malu: Melhor pra quem, cara pálida? Eu vejo coisas que não quero ver. Entendo outras que não gostaria de entender. Leio textos subjacentes, compreendo discursos não ditos, substâncias informacionais ainda sem forma, como a senhora explica.

Dra Cardinale: Então. Isso é bom. Compreende dimensões sutis da comunicação. Isso é ótimo.

Malu: Bah, um espetáculo mesmo. A senhora tem razão. É só fazer uma lista das informações recentes que eu obtive que vamos ter que discutir o seu conceito de ‘ótimo’, já que a senhora adora tanto... conceitos e teorias.

Maria Luiza: Olha, a questão não é essa. A questão de hoje é que você tem se desmanchado em lágrimas, mais que o normal. Normal, eu digo para um ser humano assim... normal, digamos. Teu caso já é excepcional, mas na excepcionalidade você tem extrapolado. Então, tem que parar de ficar parecendo a menininha fragilzinha, porque não é essa a nossa matéria. Não é disso que somos feitas. Odeio que você fique se derramando em lágrimas...

Malu: Muito bem, a senhora que quer mandar em tudo. É cheia de proibições, então faça alguma coisa e proíba essa maré dentro de mim. Quem sabe dá certo.

Maria Luiza: Mas criatura, as coisas não funcionam assim. Não somos seres isolados. Somos uma só. Temos que estar em sintonia, ainda que existam – e existem – algumas peculiaridades que nos diferenciam. Na prática, esses diálogos e a percepção das nossas diferenças servem para que nos aproximemos, para enxergar melhor de onde brotam as dificuldades e pensar, em conjunto, como resolver.

Malu: E, mas pra senhora, as dificuldades brotam sempre do mesmo lugar, ou seja, de mim e desse meu jeito amoroso.

Maria Luiza: Tá bom, acabou minha paciênia, que já não é muita. Então, vamos lá. De que serve esse teu jeito? A quem serve? Quem se beneficia com ele? Quem valoriza?

Dra Cardinale: Calma, Maria Luiza. Também não seja dramática. Não adianta você atacar o que é a matriz do ser. Isso é chover no molhado, é inócuo. É possível suavizar, misturar mais adequadamente com o que eu chamo de vetores de racionalidade, mas desmontar a forma... aí não vai dar, a essas alturas.

Maria Luiza: Tá. Eu sei, mas não é verdade o que eu questiono? Enquanto essa criatura amar tanto, se importar tanto com os outros... me diz, de que adiantou tudo? De que adianta, se a própria matriz condena? Dá indignação, olhar pra trás e onde deveria haver estrada há ... buraco, fosso, abismo... é isso que ela tem construído com o seu imenso jeito de amar. Eu estou revoltada, não suporto injustiças, nem descaso, nem maltrato. Fico furiosa. A “Dona Malu”, não. Ela chora. Que beleezaaa! Chorar resolve muito.

Dra Cardinale: Eu venho dizendo... radicalizar não adianta. A senhora sabe que não é verdade tudo o que diz. A vida tem demonstrado que amar é a única opção. Não há outra. Os amores são múltiplos e de variados tipos. Não devem ser idealizados, mas vividos no cotidiano, em situações simples e comemorados pelo que é possível, não lamentados pelo que é impossível. É bom lembrar que, no mesmo dia, essa dona moça consegue chorar por motivos bem diferentes e isso, se é ruim, também é bom. O choro dos contrastes da vida. Diferentes resultados, mas que mostram, também, que as redes de afeto se formam, sim, fortes. Há ‘nós’ já construídos com substrato amoroso de qualidade e que dão suporte e força, para seguir adiante, mesmo quando em situação de feridas remexidas. Na verdade, se olharmos bem, não estamos mais sozinhas, essa é a grande mudança.









domingo, 10 de junho de 2012

A SEQUÊNCIA...AS LEOAS...


Dra Cardinale: O que vocês não entendem é que as duas estão certas e erradas... a questão é a medida. A medida da paixão, como diria Lenine, na linda música, a intensidade das coisas vividas, da entrega, do amor, na contenção, da obstinação...a dificuldade de saber ir embora, quando se quer ficar... de ser dura com quem se ama... de saber ‘ler palavras duras’ com o dicionário do outro. Os filhos talvez ajudem também nesse sentido.. a aprender que o amor tem que ter limites, porque o não limite é abandono ... de si e do outro. O não limite é o maltrato. O não limite leva à destruição mútua e da própria relação. O não limite é a barbárie, como eu tenho ressaltado. Esse limite tem que ir sendo construído, com ternura e firmeza, ao mesmo tempo, pra não fazer arrebentar o substrato amoroso.

http://www.youtube.com/watch?v=YLkEDVoGz7M

Malu: Agora estou perdida.. muito lindo, vocês duas... cheias de teorias e racionalizações. Limites, limites, limites, paciência, paciência, paciência... isso meus alunos têm razão: na prática, a teoria é muito outra. A construção do limite essa, às vezes, é que é uma absurdidade e destempera, desencanta, desalenta, desatina... tudo ‘des’..desmancha também o que demora pra ser construído dentro da gente. Se eu for por aí.. eu desisto.. ‘ des-existo’ .. é isso o que vocês querem, imagino. Se o limite for exagerado, tudo trava, abruptamente.

Dra Cardinale: Você é a jovem adulta, em nós. Realmente, não faz mais muito sentido continuar agindo ‘como se não houvesse amanhã’. Não há mais tempo para isso.

Malu: Como se não houvesse amanhã? Agora não sou eu mais a doida. Vocês é que enlouqueceram. O que eu mais tenho feito é ser paciente.. é aguardar.. fazer tudo na direção que quero, mas também esperar que o Universo me dê respostas, que sinalize para onde vai a vida, até porque já sei que não mando nada mesmo.

Maria Luiza: E nem tem que mandar. Só tem que se controlar, conter, fazer o que tem que ser feito e pronto. O resto é perfumaria e delírio de adolescente tardia... Você tem que, finalmente, se despedir, desistir, sim, do que tem que ser deixado. Não desistir do essencial.

Malu: Ah.. ótimo. E quem decide o que é essencial? A senhora ou a Dra?

Maria Luiza: Você é que não é. Pelo menos não decide sozinha. Olha em volta. Para e pensa. Relembra, mas não só o que te dá alegria lembrar. Lembra tudo. As coisas estão se decidindo por conta. Você só tem que aceitar.

Malu: mas é isso que eu digo. Quando eu aceito, me aquieto, sossego, alguma coisa acontece e tudo se revira, tudo muda, parece que volta.. parece que brota dentro de mim...

Maria Luiza: você é um poço de amor a céu aberto! Nasceu assim. Pra isso mudar, tem que morrer. Não há racionalidade que aplaque. Você não se aquieta, não arrefece, o amor em você não passa, só permanece. O que acontece é que, em alguns momentos, você me deixa tomar a frente. Aí seguimos fazendo o que tem que ser feito... o básico, tipo tubinho preto da existência que, no nosso caso, já é gigantesco, em função do tsunami de tarefas.

Malu: É isso que não aceito: o básico. O básico é morno. Morno é pouco. Já esgotei a paciência!

Maria Luiza: Paciência, se esgotou. Esse é um dos seus problemas. Você vê o tempo passando e pensa que ainda não fez tudo o que gostaria... vê que daqui a um tempo vamos pra outra dimensão. Não compreende que não temos controle sobre isso, nem sobre muitas outras coisas. Só podemos fazer o que precisa ser feito. Serenar e pensar na ‘grande tarefa’.

Malu: Vai me desculpar, mas a senhora não tem sentimento. Se não compreende o que eu sinto eu não sei de que matéria é feita. Sei que não é a minha.

Maria Luiza: Tenho. Tenho sentimento. Sentimento de autopreservação.

Malu: Isso não basta. Estou cansada de olhar em volta e ver as pessoas infelizes, porque têm feito o básico. Eu não tenho vocação para depressão, nem para o básico. O básico é pouco. Não vou cruzar os braços e ligar o piloto automático. Não me acostumo com a pasmaceira de uma vida morna.

Maria Luiza: Morna ou não, tem que se voltar para o possível. Para o que tem que ser. É só isso que você pode, que eu posso, que a Dra também e... a torcida do Flamengo, todo mundo.

Malu: Mas não mesmo! Pode esquecer que vou me sentar dentro de mim mesma e ver a vida passar... navegar, sem assumir meu lugar no ‘eixo’ que me faz viva...

Maria Luiza: O teu lugar, pode; não pode é assumir o dos outros. Faz a tua parte e pronto. Cada um entra em cena com seu texto e faz o seu melhor.

Malu: Droga! Tudo é muito lento...

Dra Cardinale: O Universo, Malu, o Universo.. ele tem seu tempo.. o tempo cósmico. É sabedoria compreender que ele se movimenta como tem que ser... o vento... o sol...a gestação de novas vidas, de novos projetos, acontecimentos...de devires outros... não há como acelerar, nem interferir.

Malu: Meu Deus, a senhora fala... faz sentido, mas tantas vezes parece insuportável esperar...deixa... porcaria!

Maria Luiza: Não adianta, doutora. Passei a vida dando discurso pra essa criatura. Ela é empacada, teimosa, insistente... resistente....impaciente, impossível, insaciável, inconstante, impulsiva....

Malu: Sou a parte realmente viva dentro de vocês. Só isso. Vocês são couraças de defesas, distantes do que efetivamente nos faz feliz. Parece que vivem para me paralisar, quando eu quero saltar.

Dra Cardinale: Não é assim, Malu. A felicidade não é um salto no escuro, em direção ao mar alto. Você sempre corre o risco de encontrar os rochedos, antes de tudo. Diga-se de passagem, em geral, é o que tem acontecido. Pedreiras, geleiras, ferro e fogo. Já é tempo de aprender a saltar, metaforicamente, intelectualmente, já que fisicamente penso que não vamos saltar mais... Para isso, passou o tempo de aprender, e a coragem, neste caso, parece ser matéria inexistente em nós. Arriscar, ter coragem de ir adiante, avançar em direção aos desejos, aos sonhos, tudo isso é saudável, se não for feito de uma maneira suicida. Somos seres que acumulamos muitas dores, medos, sofrimentos. Temos marcas de abandono e pouco caso. Justamente por isso, seguimos nos quebrando na vida. De onde você está, tão perto de sentimentos profundos, tão embriagada deles, há a vontade de não sentir mais nada disso, mas, ao mesmo tempo, você se perde, buscando sempre a confirmação do que conhece. Precisa aprender a não aceitar maltrato, seja de filho, de mãe, pai, homem amado, seja lá de quem for. Precisa aprender a desapegar-se a despedir-se, quando tem que ser. Eu venho te dizendo: o mundo é grande. Tua matriz é amorosa e generosa. Como escrevemos, esses dias: e haverá, então, um mundo de flores, de margaridas brancas, mostrando que a ternura, a união entre as pessoas é possível, mesmo e por causa das suas imperfeições e, ainda assim, haverá beleza, porque a felicidade e a beleza são simples, singelas, ternas e, deste modo, podem ser duradouras, ainda que não eternas.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

DA SÉRIE... AS LEOAS...


Dra Cardinale: vocês duas estão silenciosas.....

Maria Luiza: estou em ‘estado de observação’, quero ver pra onde vai essa ‘prosa’...

Malu: bem... fico meio sem ter o que dizer, quando ‘penso que penso’ e decido e, em seguida, vejo que não decidi nada...

Maria Luiza: Ah... finalmente, tá assumindo a atrapalhação?

Malu: Eu nunca neguei....

Maria Luiza: É, mas tantas vezes fala num tom de arrogância, como se os seus caminhos internos fossem os únicos a gerar alegria e prazer.

Malu: Nunca quis dizer isso. É que sou entusiasmada, quando encontro uma trilha de alegria, desejo, amor...sempre fui assim.

Maria Luiza: Entusiasmada e inconsequente, você quer dizer.

Malu: Pode ser, mas como eu posso medir as consequências o tempo todo, se a vida é também, e talvez mais, feita de “intensidades abstratas desejantes de investimentos em busca de felicidade”, não é doutora?

Dra Cardinale: Mas você é bem esperta, não é?... lança mão dos conceitos, quando convém, para justificar seus impulsos.

Malu: Mas não é a senhora que vive dizendo que a teoria que vale é a teoria vivida, é a que faz sentido na vida?

Dra Cardinale: Risos.. de novo... certo, é isso sim... esta teoria é a que vale.

Malu: Pois então, eu só faço botar em prática.

Maria Luiza: E que prática... você bota fogo no mundo, se eu deixar. É uma Maluca de nascença, dessas da categoria doida mesmo. E o pior, se eu não fico atenta, você se arrebenta, se machuca... não recua, emudece, quando tem que levantar e virar a mesa. Neste caso, vale a fala da ‘nonna’ Anna Caronti: “Quanto mais você abaixa, mais aparece a...b”, você sabe o quê.

Malu: Sim, eu sei, aparece a bunda. É uma fala sábia, é verdade. Mas acontece que eu me permito viver... e às vezes, sou pega de surpresa, com a sequência de acontecimentos.

Maria Luiza: Você se solta. Você se esquece. Você acredita, não fica atenta. A cena seguinte sempre pode desmanchar tudo o que aconteceu. É assim, o mundo em movimento.. mutação cósmica e você ainda acredita no instante. Neste mundo de Meu Deus, a desatenção geralmente é punida a ‘ferro e fogo’.

Malu: O instante existe, como diz Cecília Meirelles: “Eu canto, porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste. Sou poeta”. http://www.youtube.com/watch?v=W_YLVRoDwew Se eu passar o tempo todo pensando no que você diz, não vivo. Deixa.. .detalhe... caco de cena... todo mundo tem suas dificuldades...a essas alturas da vida, eu tenho mais medo que ousadia, mas, mesmo assim, às vezes me arrisco...não me arrependo.

Maria Luiza: Eu me arrependo por você. Você está muito velha, pra ter paciência e aceitar coisas inaceitáveis. Parece uma idiota completa, porque não sabe a hora de xingar, de ir embora, de desistir....você tem o dom de passar do ponto. Explica demais, analisa demais, pondera e releva demais. É assim também com teus filhos. Tuas incursões pela poética te fazem artista da palavra e da intensidade... mas isso, do ponto de vista prático, não é operacional...não te leva a lugar nenhum....você se permite viver o absurdo...por esse traço da tua maluquice.

Malu: Eu...

Dra Cardinale: O que vocês não entendem é que as duas estão certas e erradas... a questão é a medida. A medida da paixão, como diria Lenine, na linda música, a intensidade das coisas vividas, da entrega, do amor, na contenção, da obstinação...a dificuldade de saber ir embora, quando se quer ficar... de ser dura com quem se ama... de saber ‘ler palavras duras’ com o dicionário do outro. Os filhos talvez ajudem também nesse sentido.. a aprender que o amor tem que ter limites, porque o não limite é abandono ... de si e do outro. O não limite é o maltrato. O não limite leva à destruição mútua e da própria relação. O não limite é a barbárie, como eu tenho ressaltado. Esse limite tem que ir sendo construído, com ternura e firmeza, ao mesmo tempo, pra não fazer arrebentar o substrato amoroso. http://www.youtube.com/watch?v=YLkEDVoGz7M

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bem-me-querer-bem!

Nossas histórias vão se desenvolvendo e tecendo uma espécie de teia, de filtro invisível, através do qual vemos o mundo. Assim, cada cena nova, cada diálogo, cada episódio, amor, desamor, micro incidente cotidiano, cai nessa teia existencial e vibra, acionando conexões muitas, para encontrar o seu lugar, para fazer sentido. Rapidamente, a vivência vai sendo processada e classificada, em função de dados visíveis e invisíveis, passíveis de serem descritos e inenarráveis. Há um mundo abstrato que interfere, decisivamente, nos processos de significação.

Com o tempo, vamos entendendo que a narrativa da vida, a grande narrativa, vai acumulando fios na nossa existência e que nem sempre esses fios nos dão suporte para seguir adiante. Alguns, quando retomados, enroscam, enosam, viram ‘nós’ existenciais que incomodam, nos amarram ao passado e a alguma prática não agradável. Não valem a pena.

Eu sou do tempo do videocassete, um aparelho de gravação e reprodução de audiovisuais, que permitia avançar ou retroceder. Para retroceder, era preciso rebobinar a fita, o que nem sempre dava certo. Às vezes, quando a fita estava gasta, enroscava, travava. Era preciso abrir o videocassete, tirar a fita que estava toda enroscada ou até... arrebentada. Assim penso que ocorre com algumas histórias gastas na vida da gente. Mesmo sendo histórias com cenas bonitas, belos episódios, já conhecemos o desfecho ou, ao menos, a tendência. Elas nos roubam do cotidiano e aprisionam na tentativa, ilusão, de resgate, de retomada do sonho vivido, quando os momentos foram bons. Em vão. O passado está no passado. É o óbvio, mas nem sempre fácil de aceitar.

Aos poucos, a vida vai se tornando longa, as histórias muitas e repetidas. Puxar o fio da ‘memória’, consciente ou inconsciente, enredar, construir enredo, mirabolando novos desfechos é apenas arrogância de roteirista iniciante, que somos. Nos grandes desfechos da vida, temos pouca influência. Temos a nossa parte para fazer, mas isso é viver em cena, não roteirizar. O Roteirista é outro, neste caso, insubstituível. Faz-se, então, o possível e, mais que isso... o máximo que conseguimos para não decepcioná-lo. Venho, ao longo dessa vida (das outras também, imagino, mas isso não me lembro conscientemente), me debatendo para seguir a risca o texto, o ensinamento.

A essas alturas, tenho muitas histórias acumuladas, de amor e desamor. Sim, porque todos temos roteiros internos também de sofrimento, como despenhadeiros cheios de armadilha, para nos roubar da cena cotidiana e fazer-nos em frangalhos, diante de episódios atuais. Às vezes, uma fala, um gesto, um não gesto, um riso ou não riso, um detalhe... um filme, qualquer coisa pode acionar, em nós, esses enredos indesejáveis que nos levam a ‘feridas’ internas. Por sorte, tenho aprendido a deixar alguns dos ‘nós’ do passado... no passado. Nem sempre consigo, mas sigo tentando. Meu olhar está voltado para o que pode me dar alegria. Não aceito nada que não seja da ordem de bem-me-querer-bem!