sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

“Magiupiepechiá: um só coração!”.




O ‘converseiro’ das crianças em casa, desta vez, todos reunidos. Risos e uma movimentação acelerada, (re)descobrindo aqui e ali, dos cantos e objetos da nossa casa de Porto Alegre. De repente, a Chiara surge com o patinete! O Pietro quer dividir... Giuseppe trouxe o skate. Giulia nos esperou com a mesa pronta para o lanche. Há tempos, eles não se reuniam, todos, neste apartamento. Ora um, ora outro ficava em Caxias do Sul, por motivos vários. Desta vez, não. “Estão todos aqui!”, eu constatei, com imensa alegria e satisfação. Estão todos aqui, como eu tanto quis. Como eu esperei esse momento de retomada, momento resultado de muitas idas e vindas, pra construir os “momentos-família-reunida”!

Pietro na cabeceira da mesa. Ele se mostrava visivelmente emocionado. Cada um de nós, no seu posto, definido em outras épocas. Havia um brilho no olhar e o riso brotava solto, por razões simples, singelas, às vezes, sem razão aparente. ALEGRIA!  É a palavra.  Então, entreolhamo-nos, como se o tempo não tivesse passado, como quem sabe que o que se construiu, em nós, como substrato amoroso de família, é realmente mais forte que ventos e tempestades, que premonições catastróficas. Havia em nós olhares e risos cúmplices, de uma história partilhada e de superações tantas.

Lembrei da frase, que eu lhes ensinei e tantas vezes repetimos juntos, envolvendo o nome que demos à família: “Magiupiepechiá: um só coração!”. A família é união, respeito, convivência, segurança, confiança, amor! Que Deus permita que possamos seguir essa experiência de vida compartilhada com as pessoas que amamos!  Viver o amor possível, superando desafios e dificuldades de cada um de nós. O amor real, sem idealizações, sem expectativas mirabolantes, sem cobranças de perfeição ou de adequação a modelos. O amor que valoriza cada segundo de convivência, cada olhar e riso trocado, cada palavra de afeto e experiência corriqueira do cotidiano. O amor que se basta, porque se sabe que ‘é’.  Está em nós, pra sempre, instalado e que assim vai permanecer. Sempre e sempre mais!

domingo, 11 de novembro de 2012

Leoa Malu e as “batatinhas quando nascem”....

Maria Luiza: No que está pensando, Malu?

Malu: Nas batatinhas...

Maria Luiza: Nas batatinhas?

Malu: Sim, nas ‘batatinhas quando nascem, que se esparramam pelo chão’.

Maria Luiza: Você é doida, mesmo. Estou convencida.

Malu: Ah, tá. As pessoas passam gerações ensinando pras meninas que as batatinhas quando nascem se esparramam pelo chão, como se isso fosse uma coisa normal e eu é que sou doida?

Maria Luiza: Tô dizendo. Mas o que tem de errado, criatura? E por que isso te veio à cabeça, neste momento?

Malu: Olha, se as batatinhas, que são as batatinhas, que deveriam se dar o respeito... quando nascem, já se esparramam pelo chão, porque as menininhas, quando dormem deveriam pôr a mão no coração, apenas?

Maria Luiza: Mas olha que coisa doida! Isso é o texto de um poema infantil.

Malu: Sim, sei, poema infantil. Sempre pensei isso, mas agora, pensando bem... fico me lembrando tempos e tempos declamando isso, na presença da minha avó, da minha nonna e ninguém me dizendo nada. Só riam...

Maria Luiza: Sorriam, você quer dizer. As pessoas sorriem, quando as meninas declamam poema, pela graça da situação.

Malu: Mas que graça!? Uma pobre de uma menina, submetida a um poema desses? Isso é uma mega contradição e já a apresentação de um contexto de dominação dos seres femininos que, mesmo diante das batatinhas (que quando nascem se esparramam pelo chão!) devem se limitar a pôr a mão no coração. Ah, pelo amor de Deus! Como a senhora não percebe?

Maria Luiza: Criatura, é um poema inocente. Apenas um jogo de palavras, como todo poema. Neste caso, um singelo poema infantil feminino.

Malu: Sei. Não existe isso. Não existe poema inocente. O poema é um texto com intensidades abstratas que tendem a contagiar o sujeito com sua alma. Ninguém declama um poema de qualquer maneira. O poema entra na gente. No momento da declamação, incorporamos sua alma, tomamos o poema pra nós, como se nosso fosse. Lembra a quantidade de vezes que declamei “José”, do Drummond? Naquele momento, “José” era meu. Era eu quem o questionava, provocando-o a dar explicações para si mesmo e para nós. “E agora, José?”. Esta poesia esteve em mim a vida inteira e brotou nas mais diversas situações, provocando a minha existência, minha reflexão: “Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta?...”. Lembra? Até meus filhos amam “José!”. Agoooraaaa: “Batatinha, quando nasce, se esparrama pelo chão. Menininha, quando dorme, põe a mão no coração”, é uma sacanagem.

Maria Luiza: Sacanagem?! Olha o que você está dizendo, quer dizer, ouve o que você está dizendo? Quer dizer, como o texto está escrito, olha o que você está dizendo? Bah. Não sei nem mais o que dizer. Você consegue me surpreender, com as suas loucuras.

Malu: Tá, e das batatinhas a senhora não fala nada? Adora falar das minhas loucuras, mas não fala nada das batatinhas, que, recém-nascidas, já se espalham pelo chão. Veja como a senhora me persegue. Eu me espalhei pelo mundo. Certo. Namorei muito. Certo, ainda namoro. É um dos meus ofícios preferidos, da minha natureza italiana. Mas... como poderia ser diferente, se a sou de uma geração que foi obrigada a declarar aos quatro ventos, a quem quisesse ouvir... ainda na voz frágil infantil feminina que ‘as batatinhas...’, bem, a senhora sabe, não preciso mais ficar repetindo. Se elas, lembram, as batatinhas, se espalham pelo chão no momento do nascimento, não me venham cobrar recato, bom comportamento. Até porque só me espalho por lugares selecionados, só me espalhei nessa vida com seres especiais. Que ninguém me cobre nada!

Maria Luiza: Meu Deus! Eu fico te ouvindo e pensando em qual momento você vai me dizer: “Tudo bem, estou brincando!”, mas, nada, você segue nesse discurso desvairado, enlouquecido, fazendo uma espécie de ‘ode contra as batatinhas’.

Malu: A senhora não entende. É um questionamento existencial. Sim, do universo feminino que foi transmitido para a minha geração, assim, em supostos poemas inocentes e recomendações de comportamento recatado. Ah. Mas com a senhora não adianta discutir. Aposto que concorda com as batatinhas.... Ah..vá plantar batatas, então . Me cansei.

Maria Luiza: A propósito, agora você vai se chatear comigo. O correto é:

"Batatinha quando nasce,
Espalha ramas pelo chão
Menininha quando dorme
Põe a mão no coração"

Então, observe, as batatinhas quando nascem, espalham ramas pelo chão, o que é da sua natureza, são batatas.

Malu: Então, quer dizer que passei a vida inteira, vida de menina, bem explicado, falando o poema errado?

Maria Luiza: Foi.

Malu: Ufa, se declamei o poema errado, o que fiz de errado nessa vida, está perdoado. Sim, porque se as batatinhas, quando nascem espalham ramas pelo chão e a senhora diz que não há nada de errado nisso, porque é da natureza delas...também não há nada de errado em mim... só fiz nessa vida de Meu Deus as coisas da ‘minha natureza’.

Maria Luiza: Você não tem jeito... risos.






sábado, 10 de novembro de 2012

Ainda “stamos em pleno mar”...


E assim, a vida vai mudando de rumo, de novo, como uma espécie de rio que vai procurando o mar, eu diria, ‘a-mar’. Vai tergiversando, sinuosamente desviando dos obstáculos, tecendo o próprio rumo, enquanto provoca desassossegos tantos em quem o vê passar. Incontido e obstinado, o rio esse vai deixando ‘passados’ no caminho, vai se embora. Tem que ser. São boas as lembranças, as risadas, as conversas. Ah.. as conversas, a amoramizade é mesmo um espetáculo do relacionamento! Mas tudo tem um tempo, às vezes um dia, uma semana, meses, anos.. uma ou algumas vidas.

Conversar, ‘ versar com’ gente de bem-querer-bem, com amores amigos, saber da vida, rir junto, às vezes, mas só às vezes, chorar junto também, que ninguém é de ferro. Eu não sou, embora tenha sido forjada de um tipo de matéria forte, que me faz sempre ir em frente, avançar... tentar... se não conseguir desviar o rumo, voltar... ir embora.

Na semana cheia de sobressaltos e desafios... a frase que me veio é...depois de tanta tempestade, não é qualquer chuvisco que me molha. A semana foi de chuvaradas e mares bravios. Em compensação, vejo que fiz laços bons, renovei a convicção de que, se alguma coisa nos ajuda, nesse tempo de Meu Deus... é a condição de ‘estar junto’, do modo possível, sem modelo nem dogma, apenas e principalmente pelos fluxos intensos de afetos de bem-querer. Eu verdadeiramente conheci bons navegadores na vida. Não estou sozinha na travessia.

Na loucura do tsunami de tarefas, lembrei da minha avó cerzindo roupas... da nonna costurando meias...pensei nos curativos de feridas , feitos com carinho, ao mesmo tempo em que a voz segura de alguém que gostamos vai cuidando... vai curando a dor, o machucado. Hoje sou eu a ‘costureira de sentimentos’. Eu é que estou chamada a ‘me tecer’, reconhecer e autopoieticamente me reinventar todos os dias. Eu é que também tive que aprender a ter paciência comigo...

Eu também tenho a doce tarefa de acolher gentes no meu abraço, pessoas que precisam e se permitem viver esse aconchego, acolhimento terno de quem se preocupa, de quem se preparou para ‘sobreviver na selva’. É isso. A tarefa é a da sobrevivência na selva caosmótica desses tempos de mais desafetos que afetos explícitos. “Stamos em pleno mar”, disse o poeta Castro Alves, no clássico Navio Negreiro. Há muito tempo eu penso isso: agora sobre escravos do quê mesmo? As respostas possíveis são diversificadas e, por falar nisso, agora eu vou dormir.



O Navio Negreiro

(Tragédia no mar)


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...


'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...


'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...


Donde vem? onde vai? Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço.


Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!



domingo, 7 de outubro de 2012

Leoa Malu e o ‘Rumo Da Prosa’


Malu: Então, está satisfeita, dona Maria Luiza?

Maria Luiza: Com o quê?

Malu: Com a nova configuração existencial? As mudanças, o substrato transformado. O discurso da leoazinha Luiza. Fala de gente grande, aff...

Maria Luiza: Nada. Não acredito em superficialidades. Não sei ainda a consistência dessa racionalidade súbita. Não sei se isso não é passageiro. Se as desistências não são apenas instinto de sobrevivência, blindagem, pra seguir adiante... apenas isso.

Malu: Superficialidades? Mas a senhora se dá conta o que aconteceu? Fico pensando no filme que assistimos no Amorcom!: “O Ponto de Mutação!”, baseado na teoria do Fritjof Capra. É isso. Parece que algo se desalojou dentro de nós e produziu uma mutação no ‘sistema’ interno...uma mutação cósmica, no que há de nós que é cosmo, entende?

Maria Luiza: Ah.. tá.. pára, Malu. Nada de muito mirabolante. O que parece é que nos cansamos de sentimentalismos. Sabe o nome disso? Exaurimento. Exauriu o sistema, só isso. Não há mais lágrima, não há mais disposição interna pra ficar enamoradinha ou mamãezinha.. ou qualquer coisa ‘inha’, quando a vida bate lá fora e todos os dias o galo nem canta mais ou, se canta, canta longe de nós, porque resolvemos nos enfiar numa cidade grande, bem diferente de onde viemos...

Malu: Eu, por mim, me mudava pra o interior de São Paulo.

Maria Luiza: Sei, você e a Luiza. Viajamos pra lá e vocês se encantaram com o reencontro com o lugar, com o que viveram lá.

Malu: Coisas simples, dona Maria Luiza. Coisas simples. Somos simples, a senhora bem sabe disso. Conhecer vários países do mundo, ser intelectual, ter doutorado em Comunicação pela USP, viagens nacionais e internacionais. Nada disso muda a matriz. Somos gente simples, simplesmente amorosas.

Maria Luiza: Ai.. não me vai ter uma recaída romântica. Aí eu perco a paciência!

Malu: Como eu sempre digo: ninguém pode perder o que nunca teve. A senhora nunca teve paciência. Quer tudo na hora, do seu jeito. É mandona. Autoritária.

Maria Luiza: Não gosto de enrolação, nem dúvida, nem de choraminguice. Meu negócio é jogo lógico: A ou B. Vetor prático operacional. Você me conhece.

Malu: Nossa.. me arrepio com sua lógica. Não gosta de dúvida! Que beleza. Mas Meu Deus, onde estão as certezas? A senhora tem a pretensão de ter certezas? Eu falo em O Ponto de Mutação e isso não tem nada a ver com certezas. A senhora diz o quê?: “Não gosto de dúvida!”. Pode não gostar, mas isso não muda nada. A maioria do mundo é dúvida.. é incerteza.. é probabilidade. Nem fui eu que inventei isso. Nós já estudamos bastante pra senhora vir com discurso raso.

Maria Luiza: Calma, calma... eu sou a mais racional de todas nós. Também estive na linha de frente dos nossos estudos. Então, sei bem do que você fala, sei da mutação cósmica, das teorias da física quântica, dos fatores de sincronicidade, etc etc etc na mesma data...

Malu: Hum, só falta agora recitar o currículo!

Maria Luiza: Depois, eu que sou a impertinente. Eu só estava tentando dizer que entendo isso, da mutação cósmica, lógico. E justamente por isso não aguento a paralisação emocional, em função de nada. Se tudo é movimento, por que não eu? Por que não nós? Por que ficaríamos paradas... esperando Godot? Esperando o trem, esperando amém....entende isso?

Malu: Entendo, claro que entendo, mas isso não tem a ver com certeza ou dúvida.

Dra Cardinale: Mas, Malu, por que a irritação? Você está descontente com o que chama de ‘rumo dos acontecimentos’?

Malu: A senhora sabe, a prosa não me favorece. Não são as minhas opções que estão prevalecendo. Tudo tenho que aceitar, entender, ter paciência, calma. Odeio que me peçam calma.

Dra Cardinale: A questão é você entender o básico, a vida. Você traz acionada a metralhadora de desejos e a urgência da mistura da adolescente e a jovem adulta. Tem pressa, tem urgência pra tudo. Você acusa a Maria Luiza, mas também gostaria de controlar o resultado, os desfechos. Também tem dificuldade de entender, na prática, na vida, a mutação cósmica, no que diz respeito ao tempo de espera, aos riscos de não brotação, à dureza dos sacrifícios para sobreviver às intempéries... o vazio no núcleo, o átomo, para falar um pouco de teoria complexa, que sei que é coisa que você gosta.

Malu: É, eu me empenhei por compreender o mundo de complexidade que nos rodeia.

Dra Cardinale: Também precisamos compreender a complexidade do mundo interno. E não é só entender para discursar, entender para elaborar racionalmente o discurso na superfície, porque isso a Maria Luiza faz com maestria. Ela declama teorias. É preciso pulsar o saber, fazer valer nas tripas, no coração, na pulsação toda. Como diz o Restrepo, no livro O Direito à Ternura, ‘splacnisomai’ – sentir com as tripas. Ou você respira e faz circular nas nossas veias o nosso saber ou ele não vale a vida, não nos ajuda. Já é hora de serenar.

Malu: Hum... serenar.. risos..

Dra Cardinale: Mas que criatura, estou falando sério!

Malu: Nunca vi a senhora brincar, mais parece a Maria Luiza.

Dra Cardinale: Melhor me tirar da mira da tua metralhadora de acusações. Eu existo para compor, pôr junto, juntar, ajudar a alinhar as leoas. A propósito, vê se te ‘apruma vivente’, como diriam os gaúchos.

Malu: Uff...mais uma a me xingar...





A CASA DOS MEUS SONHOS


Tenho pensado muito na grandiosidade do significado de ‘casa’ pra mim, significado das minhas casas, das casas que tenho e das casas que tive, das casas que sonho, também, da ‘casa dos meus sonhos’. Diferente da maioria das pessoas, quando penso na expressão ‘casa dos meus sonhos, a imagem que me vem à mente é a da casa dos meus avós, que também foi a minha casa, quando eu era criança. A casa dos meus sonhos, a casa onde eu sonhei meus sonhos de menina, aqueles que têm o substrato de sonhadora maior, a base da leozinha Luiza, amorosa de nascença, apaixonada por jabuticabas e encantada pelo mundo.

Recentemente visitei Guarantã, a cidade onde nasci, e como faço todas as vezes em que vou à cidade, também desta vez dediquei um tempo para visitar ‘a casa’. Meus avós não estão mais lá. Faleceram há vários anos. Eu estava longe, quando isso aconteceu. Tenho, no entanto, em mim, lembranças inteiras, imensas, que marcaram a infância e que foram o palco da construção dos sonhos deste ser eu mesma, que agora escreve. Ali, naquela casa, nas madrugadas em que passava lendo, eu imagina o devir, o que deveria ser minha vida. Na casa simples, de madeira, que hoje está desabitada e vai ser reformada, eu aprendi a valorizar cada canto, cada espaço, aprendi a sonhar. Ali eu sonhei que seria escritora um dia, que viveria escrevendo, criando personagens, dedicando a vida a escrever e a ensinar. Ali eu produzi minhas inscrições ficcionais iniciais, escrevi poemas e li, li muito, quase que na mesma proporção com que imaginei o futuro. Futuro de um eu Luiza, que se formava enquanto tentava compreender o mundo, encerava o chão da casa pra vó, aprendia a bordar, fazer crochê, trançar barra de pano de prato e, nas madrugadas, lia e escrevia.

Na frente da casa, havia um jardim. Claro, no jardim, havia margaridas brancas, que floridas enterneciam a vida. Havia também rosas, dálias, palmas de Santa Rita, flores do campo e outras que não sei o nome. Lembro, em especial, das brincadeiras em meio a essas flores, com um dos meus irmãos, o Toninho. Durante um bom tempo, minha vó cultivou o jardim e se ocupava de acompanhar a brotação. Explicava a diferença das flores, o tempo de brotação, o modo de cultivo e renovação de cada uma delas. Eu me inquietava com o fato de que alguns canteiros não ficassem floridos o tempo todo. “Seria mais bonito, se tivéssemos flores o tempo todo”, eu pensava. Minha vó, pacientemente, explicava que não era assim, que as flores precisam brotar de novo, que teríamos que esperar, que ainda não era tempo. Eu aceitava, mas preferia que fosse diferente. Hoje percebo que o ‘tempo de brotação’, a espera, o tempo da florada, depois, a alegria da presença das flores abertas, exuberantemente encantadoras... tudo isso faz parte dos ciclos da vida e também ensina a compreender outras esperas, outros processos de semear e esperar, semear e esperar... semear, cuidar e esperar a brotação. Paciência para, um dia, ver a florada. Esta parece ser a ‘mensagem’.

Nessa casa, eu sonhava com meu futuro amoroso e já tinha claro que o amor é o bem maior, que o amor seria sempre a minha opção, meu motor existencial pra vida toda. Era uma visão pueril, ingênua, ainda romântica. Hoje estou bem diferente disso, mas ainda conservo o traço da amorosidade, em sentido amplo. Ainda acredito em fadas, duendes e outros seres do mundo abstrato, mas do amor romântico quero distância. A maior possível. O amor romântico é pautado pela idealização do Outro e isso é construção antecipada de decepção. Não há quem dê conta da idealização, porque ela tem componentes de ilusão e fantasia, que não combinam com vida real. O Amor existe, sim, mas também tem que ser cultivado todos os dias, tem diferentes tipos de brotação e tempos. Também não há possibilidade nenhuma de controle. O amor é da natureza. É ‘a’ natureza em nós. Vai brotar, ou não, na mistura de substâncias várias, no encontro de laços de afeto e onde houver terreno propício para a brotação. Se não brotar, não é culpa de ninguém. Não é uma sentença de impossibilidade, apenas uma confluência de fatores que fizeram não acontecer ‘ainda’. Não há que se preocupar exageradamente, porque o dia anoitece, depois amanhece, depois, como acontecia no jardim da vó Zefa, tudo começa a brotar de novo, tudo pode ser. Então, de novo haverá margaridas brancas e bem-quereres. Assim é.


















sábado, 29 de setembro de 2012

Leoazinha Luiza cresceu....

Das Leoas... a Luiza sempre foi a leoazinha, a menina em mim. Ao longo da vida, as outras leoas foram ficando indignadas com a meninice da Luiza, com seu romantismo, seu sentimentalismo exacerbado. “Coisa de libriana”, sempre pensava a Malu, um tantinho mais paciente que a Maria Luiza, a mais racional das três. Esta, sim, bah... revoltada com o jeito ‘amor derramado’ da menina, nunca poupava adjetivos pejorativos...depreciativos. Só que o tempo tem mostrado que cada uma, do seu jeito, tem sua sabedoria... a Luiza também. Além disso, também é possível avançar no jeito, aprender com a experiência, reescrever a própria história, também (e talvez, principalmente) a própria história amorosa. Assim, um belo dia desses, me dei conta... a Luiza cresceu.



Luiza: Elas brigam tanto e, quando veem, o que mais querem é simples e está nas coisas que eu cultivei, que eu aprendi desde menina.

Malu: Ah.. tá. Vamos com calma. Você é a menina em nós. Eu quero muito mais coisas. Ainda tenho sonhos, projetos. Sigo planejando e produzindo. Sem minha disposição e força de ‘arranque’ pra batalhar pelas coisas... não seríamos nada.

Luiza: Planejando e produzindo. Aí é que está. Não vê que há graça em coisas que nunca foram planejadas? Coisas que são da natureza. Coisas sobre as quais não se fala, coisas que acontecem, singelas, simples.

Malu: Sim, eu sei do que você está falando. Tenho pensando muito nisso. As coisas simples...

Luiza: De tudo o que se viveu, eu ainda quero a simplicidade das toalhas de crochê, das flores ajeitadas na casa, a simplicidade da conversa na hora do almoço, do olhar de um homem ‘simples amado’, suas histórias, seus jeitos, seu riso, seu jeito de ficar indignado com injustiças sociais, às vezes. Quero também o riso dos filhos, almoço aos domingos ou, mesmo, como agora, quero estar um pouco sozinha, pra serenar por dentro... quieta, no ‘mim mesma’. É pouca coisa, mas é uma imensidão de alegria. Assim como foi uma das últimas viagens.

Maria Luiza: Foi marcante mesmo. Foi um retorno às origens, reencontrar o lugar, amigos, o pai, tudo.

Luiza: A senhora, pra variar, está racionalizando. Essa viagem me trouxe de volta, porque sinto que tudo o que sinto é o que verdadeiramente faz sentido, pra todas nós. Detalhes. Detalhes. Cada coisa, cada cena foi compondo informações de um estar bem, que faz muita diferença. A ‘cena da janela’ me contou isso. Outras cenas também... eu não digo aqui, porque, depois, este texto vai pro “Margaridas”.. bem.. mas todas vocês sabem...

Dra Cardinale: Vamos falar em sentido geral. A questão é que as viagens provocam uma desacomodação, uma desterritorialização, saída do território conhecido e habitual, que não é só física. É também interna, também psíquica. Quando viajamos, nós viajamos dentro de nós mesmas e encontramos ‘outros lugares’.

Luiza: Desta vez, encontraram a mim...(rindo).

Dra Cardinale: Sim, Luiza, a encontramos porque as vivências todas foram mostrando o que mais valorizamos na vida, uma poética do simples e um gosto de estar ali, na segurança de se sentir do lugar, de ser aceita e querida. Há outras lembranças contrárias a isso, quando nos sentimos ‘fora do lugar’, incomodadas pelas evidências de não desfrutar do direito de pertença, por não sermos autorizadas a ficar. Esta é a diferença.

Luiza: Talvez o choro na rodoviária tenha sido por isso.

Maria Luiza: Como disse a nossa irmã, você é mesmo uma ‘molenga’. Chora por qualquer coisa. Isso nem mais é levado em conta.

Luiza: Não é o caso. Ali o derrame de lágrimas era pela intensidade e singeleza do que se viveu. Simples. Tudo simples e mostrando como tem que ser.

Malu: Ah.. ótimo.. como tem que ser, só que o lugar é algo que está lá e você está aqui. Que lindo isso! É uma síndrome romântica, tendência de valorizar o ideal, o que não tem.

Luiza: Não. O sentimento está em mim. A vivência trouxe informação e, como sabemos, informação é sempre um bem. O querer e o bem-querer-bem têm que ser assim, simples e tranquilos. Essa é a novidade que veio dar à praia... ou à região caipira em nós. Amar tem que ser simples e intenso! Tá bom pra vocês???





sábado, 4 de agosto de 2012

Leoas, quase amigas?





Maria Luiza: E aí?

Malu: E aí o quê? Não falei nada.

Maria Luiza: Não falou, mas pensou. Está pensando que é tempo de conversarmos.

Malu: É, mas não tinha decidiiiidooo, ainda.

Maria Luiza: Mas eu decidi. Vamos aos fatos?

Malu: Fatos? Você vai relatar fatos no blog? Você está bem? Está com febre?

Maria Luiza: Não preciso relatar, você sabe os fatos.

Malu: Até onde eu sei está tudo bem. Na verdade, não tinha decidido conversar, porque estou numa fase de certo modo nova pra mim... a mente parece mais esvaziada. Há textos, há acontecimentos cotidianos, mas há outra condição que me parece mais lenta e densa, dentro de mim, mais de sentir, ir sentindo, viver, ir vivendo, diferente.

Maria Luiza: Você sabe, isso tem a ver com o Caminho.

Malu: Sim, sei, com o Caminho e com outras orientações, que se entrecruzam.

Maria Luiza: Então, se fosse em outros tempos, as orientações que você recebeu te descabelariam.

Malu: Não brinque. Descabeladas, não vamos deixar de ser, em qualquer circunstância. Risos. Até quando lisas. Lembra aquela vez que a cabeleireira insistiu pra fazer escova, chapinha? Bah.. cabelo liso não combina com a ‘nossa’ personalidade. Lembro como se fosse hoje. Saí do salão, em plena avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre. Ventava. Foi um horror. Cabelo liso desgovernado ao vento é uma loucura. Crespo, não. A pessoa já é descabelada de nascença. É mais coerente. É um descabelamento existencial, cristalizado ao longo do tempo. A pessoa se acostuma a ser descabelada crespa. Ninguém estranha mais... ‘Está descabelada? Ah.. tá, normal. É o meu normal’. Lembrei da expressão de um amor meu, aquele que é o ‘único’ que pode mexer nos meus cabelos... bom, mas isso é outra conversa.

Maria Luiza: É, não muda de assunto. Você é especialista em tergiversar. Sair pela tangente, quando o assunto não está favorecendo.

Malu: Eu e a torcida do Flamengo , né querida?

Maria Luiza: Você adora esta expressão! Vive repetindo.

Malu: Eu adoro expressões. Adoro escrever. Adoro as palavras. Você esqueceu que, literalmente, ‘vivemos disso’?

Maria Luiza: Não, mas você não precisava ser tão repetitiva. E o pior é que não se repete só nas palavras, nas expressões. Você se repete também nas atitudes, em algumas atitudes. Já é tempo de mudar algumas práticas. Estou vendo que vamos desencarnar e você vai levar junto alguns, digamos, procedimentos com ‘defeito’.

Malu: Tava demoraaaando. Começou a desfiar o rosário de críticas. Pra você eu sou toda errada. Estou sempre metendo os pés pelas mãos. Tá certo que me confundo às vezes, risos, mas não é sempre. Eu me confundo mais com os lados. Lado direito, lado esquerdo, risos.. tudo bem, é muita informação, pra quem já tem muita informação circulando no cérebro.

Maria Luiza: Mas vamos voltar ao que interessa. Diz pra mim, criatura de meu Deus, você entende quando falo na repetição?

Malu: Sim, claro que entendo. Mas a senhora entende que também estou aprendendo a mudar? Que as transformações recentes sinalizam para outro jeito de caminhar? Para outras estradas?

Maria Luiza: Não sei, não sei. Eu tenho cá minhas dúvidas sobre a profundidade dessas mudanças. Não sei se são consistentes, se já atingiram um nível de consistência que garanta permanecer na decisão.

Malu: Bem, claro, eu não posso e nem pretendo garantir nada. Aprendi que uma mudança, uma decisão, não pode existir apenas no discurso. Muitas vezes, nem precisa discurso. Ela tem que ir existindo de fato, na realidade. Estou avançando, aos poucos.

Maria Luiza: Beeeem aos poucos, você quer dizer. Risos.

Malu: Mas você não vê que não dá pra mudar do dia pra noite?

Maria Luiza: Do dia pra noite? Você sabe, estamos falando de coisas que você passou a vida inteira repetindo, procedimentos operacionais existenciais sobre os quais eu venho chamando a tua atenção e você não ‘habilita’ o corretor interno pra mudar de rumo. Parece mais uma mula empacada, quando se tratam de sentimentos.

Malu: Desempaquei. Desempaquei. Lembra? Ponto final? Ou melhor: lembra dos pontos finais? Do mais recente? Do novo início?

Maria Luiza: Sim, querida outro eu de plantão e mais frequente, lembro e te parabenizo. PelamordeDeus, o problema é quanto tempo você demora para fazer isso. Não vê que a vida pode ser mais fácil, mais leve, se você aciona o motor prático operacional. Lê o que está ocorrendo no cotidiano com clareza. Isso nós aprendemos bem e muito. Ler texto visível e invisível. Textos abstratos, subjacentes, nas entrelinhas. Você não precisa ficar fazendo de conta que não entendeu. Basta! Sai andando, vai embora. Não te prende. Já te disse, a estrada é grande. Olha o que está acontecendo agora? Não aconteceria, se você ficasse trancada, empacada.

Malu: É, mas você sabe, sou obstinada e intensa. Quando gosto de uma pessoa ou um projeto, eu invisto, eu acredito, está matriz do conceito de amorosidade, de desejo, a crença no devir, a esperança de conseguir. Já conseguimos muitas coisas sabendo desejar, também. Não é verdade?

Maria Luiza: É, está na matriz do conceito de idiotice também.

Malu: Este é um dos seus problemas. Você é incrédula. Você não acredita nas pessoas. Desconfia. Fica sempre me chamando atenção, pra não ser assim tão derramadamente afetiva e tal.

Maria Luiza: Calma. Não é que não acredito nas pessoas. Não acredito em tudo o que dizem, só porque dizem. Falar é muito fácil. Eu acredito no texto maior, que se constitui de frases, substrato informacional abstrato e, principalmente, atitudes. O resto é expressão sem consistência.

Malu: Ai meu Deus, resolveu me dar aula agora. Tô perdida.

Maria Luiza: Não adianta, você entende só o que quer... parece que existimos em canais diferentes... falamos mais outra hora. Quem sabe a Doutora aparece e junta de novo.

Malu: Ufa! Pensei que você não fosse mais desistir, que ia passar falando o resto da noite. Discursando. Até.



















segunda-feira, 16 de julho de 2012

Leoas em tempo de mudanças!



Maria Luiza: Hum... começou o texto escrevendo o título, essa é nova. Você sempre põe o título depois... define o título à medida em que vamos conversando.

Malu: Mas a senhora é implicante mesmo! Quando estou tranquila, resolve se implicar com um título, um adereço existencial qualquer, já que não tem do que reclamar. Os tempos estão calmos.

Maria Luiza: Os tempos estão calmos? Jura? Só se for pra você! Quer dizer: como assim calmos? Você tem noção o que está dizendo, ainda mais depois dos últimos acontecimentos?

Malu: Calma, dona Maria Luiza. Não estou falando de calma externa. Nesse sentido, não há calma. Há muita coisa acontecendo, muita turbulência, sinalizando mudanças. Por isso, inclusive, o título já estava claro. Estou falando de calma interior. Calma em mim. Lá dentro. É uma calma... serena...em meio à confusão, entende?

Maria Luiza: Em tese, entendo. Só não vejo calma em muitas situações do dia a dia. Às vezes, você parece mais Maluca que nunca. Exaspera. Fica furiosa. Briga, sapateia. Atrapalha-se com coisas pequenas, até pra sair de casa, às vezes fica se debatendo, feito borboleta presa na vidraça.

Malu: Sou uma pessoa comum, simples, bem longe da perfeição, como a senhora faz tanta questão de frisar. É verdade. Sou atrapalhada, três vezes por dia, pelo menos. Mas estou falando de uma calma maior, nas grandes orientações da vida.

Maria Luiza: Hum, as grandes orientações da vida! Que bonito isso! Agora você está se achando uma filósofa da existência, que humilde!

Malu: Ai, meu Deus! Olha a ironia... eu já estou rodeada de gente irônica.

Maria Luiza: Não estou ironizando, eu sei o que você está falando, claro, mas pode parecer pedante, pode parecer presunção. Tem que se cuidar.

Malu: Mas por quê? É exatamente isso que estou falando... as grandes orientações da vida. A essas alturas da vida, eu tenho que ter encontrado pistas nesse sentido; se não, estaria perdida. Sou uma pessoa quase idosa. Somos. Não há como ser sozinha, enfrentando o que enfrento... sem orientações internas. Mas por quem me tomas, Senhora Meu Eu Senhora? Ah.. tá, lembrei, a senhora acha que sou uma louca desvairada, sem limites, nem consideração com as consequências.... entendi.

Maria Luiza: Você sabe, não estamos mais sozinhas.

Malu: Bem, isso é uma questão semântica, do significado de ‘sozinha’.

Maria Luiza: Não, não é. Fez-se uma rede de afeto. Há substrato amoroso em laços, em vínculos que são, sim, duradouros...vivemos o gosto da transformação do amor, de uma compreensão do amor, em sua plenitude. Isso não tem nada a ver com arroubos de adolescência, mas com um bem-querer-bem nosso bem-querer. Isso, por si só, já é companhia, isso já é sentir-se em sintonia...

Malu: Não vamos falar disso. A senhora não entende.

Maria Luiza: Percebe que estamos trocando os discursos?

Malu: Sim, percebo. Ainda não entendo bem como pode, mas percebo.

Maria Luiza: Pode, porque o que vivemos é algo amadurecido em nós. Ainda não sabemos o destino dessa ‘prosa’. Não sabemos o que exatamente está sendo escrito, narrado ou vivido. Apenas sabemos que é algo diferente de uma condição anterior. É um jeito de amar dos tempos de agora.

Dra Cardinale: Talvez esteja exatamente aí a tal da calma a que a Malu se refere. Essa orientação maior para a vida. O que acontece é o amadurecimento da condição amorosa, em nós. Aprender a saborear a amorosidade, sem exasperação, sem desespero apaixonado e exigente disso e aquilo, sem atropelo, sem cobrança de desfecho, sem urgência. O bom do amor consolidado em nós. Assim também é com a compreensão dos desfechos da vida, das decisões que precisam ser tomadas. Elas vão surgindo, como clareiras que se abrem à nossa frente, sem que precisemos fazer grande alarde, nem nos envolver com ‘pré-ocupações’. Quando vemos, elas se mostram, se insinuam, como quem diz: “vamos, é só dar o passo”. Assim o caminho e a decisão se fizeram... evidentes, marcados pela obviedade.

Malu: Bem, eu de minha parte já desisti de tomar as rédeas. Passei muito tempo pensando que podia decidir, que podia interferir, que podia isso ou aquilo.Depois, passei muito tempo me culpando pelo que não consegui. Hoje vejo que tudo isso é em vão. Não seria mais correto chamar isso de ‘des-ilusão’?

Dra Cardinale: Pode ser, se for entendido no sentido de não se iludir, não idealizar, não ficar mirabolando isso ou aquilo. Nesse sentido, ‘des-ilusão’ não é ruim. Ao contrário: é um grande ganho. Um grande aprendizado. Na prática, Malu, temos que compreender que tentar controlar demais, prever demais, é algo inócuo, sem sentido. Não adianta espernear. Temos que procurar sentir e fazer nossa parte. Fazer o possível. Usar também o que eu chamo de vetor racional. É fundamental mesclar. Vai vivendo. Deixa que cada um faça o que tem que ser feito. O Universo também tem que fazer a dele. Quando vemos, Ele vai ajeitando as coisas, como elas têm que ser. O bom disso tudo é que estamos juntas, numa ‘recostura’ de eus. Juntou-se desejo, emoção, razão, conhecimento. Há mais serenidade em nossa fala, em nosso coração, porque o amor ganhou outra dimensão. Já era tempo.



















domingo, 8 de julho de 2012

Poética da existência e (des)ilusão


Eu me emociono com os textos que reviso, com as pessoas com as quais convivo, com quem trabalho, compartilho gargalhadas, tensões, risos, amizade, produção. Vou assim, sentindo as pessoas, tentando compreender e conviver, sempre e sempre mais. Desse modo, emocionadamente derramada, ‘afetivamente afetada’ pelos outros, eu vibro com suas conquistas e me enterneço com a poética das suas existências.

Foi assim essa semana, enquanto acompanhava a apresentação de orientandos meus de pesquisa, nas bancas. Eu sabia o que significava aquele momento, para cada um deles: o fechamento de um ciclo, o enfrentamento dos seus leões internos, os dramas familiares, a superação de sentenças condenatórias, proferidas por professores perversos, na infância, ou a sensação de impossibilidades, em função de uma origem humilde. Cada um deles, enfrentava, ali, seus maiores medos, em rituais aparentemente racionais, de apresentação de suas pesquisas 'científicas'.

E eu sempre, sempre, me sinto alguém muito privilegiada por acompanhar processos e momentos tão importantes para as pessoas. Estar ali, ter sido escolhida, por eles ou pela vida (a indicação de orientação às vezes é feita pelo aluno, às vezes pela circunstância), é algo que sinaliza uma história conjunta, partilhada, vivida e que vai marcar para sempre nossas existências. Estar junto na banca, não é pra qualquer um. Estar junto na banca é uma eleição pra vida toda. Estar junto na banca, como orientadora, é um laço que não se desfaz mais, permanece. Fica aqui minha declaração de amor profundo por todos os meus orientandos.

Ao mesmo tempo, acompanhar processos de aprendizagem tem me ajudado a ser mais paciente comigo e com minhas imperfeições (tantas!), tem me ajudado a me (des)culpar pelos meus erros (tantos); por algumas coisas que sei que não tenho como conseguir, as minhas impossibilidades (tantas!); pelas decisões que eu não tomei sozinha, mas que foram se mostrando, elas mesmas, como estrada já construída; decisões em tempo de solidão, mas que eu esperei que amadurecessem e, de alguma forma, elas se mostraram minhas companheiras. Quando vi, estavam ali, diante de mim, como opção única. Eu só tinha que seguir adiante. Eu vejo as pistas da sequência da ‘minha estrada’. Não são exatamente as que eu queria encontrar, mas isso também não importa mais. Vejo que estou aprendendo, com sofrimento e alegria, a ler os sinais e a aprimorar o olhar, assim como a não me debater contra o que tem que ser. Não adianta lutar contra o Universo. Ele soberanamente ESTÁ.

Em meio às decisões ‘que se decidiram por si’, eu vivo também as alegrias das emoções partilhadas, dos amores possíveis, dos afetos intensos com os seres que Deus se incumbiu de me presentear, tornar presentes no meu dia, na minha vida. Só que tudo, cada encontro, cada vivência, tem sido sob a ruína da idealização, sob a morte das fantasias de outro tempo. Meu olhar de hoje tem poética, tem encantamento, mas também tem (des)ilusão, no que isso pode ser compreendido como um bem. Da série, vivo ‘a vida como ela é’, as pessoas como são, os acontecimentos como eles verdadeiramente ocorrem... enfim.. o possível. Então, sigo, amorosamente... assim, um dia, também vou embora.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Leoas e as emoções de sianinha

Maria Luiza: Ah... começou a semana bem! Emocionada com o trançado de flores de sianinha. Você não tem como ser admirada, dessa maneira! Emoções de flores de sianinha. Só você mesma!


Malu: Nossa, que mau humor! Não vejo nada de mais. Vejo, vejo o encanto das flores de sianinha. É um encanto múltiplo. De flores, que me lembram a fábrica de flores Santa Rita, onde cresci, aprendendo a trabalhar, lindamente produzindo flores. Você sabe, a fábrica da minha mãe. De trançados que aprendi com a minha avó, a costura, o cuidado com os panos de prato, as toalhas de crochê.

Maria Luiza: Sim, é óbvio que conheço a história! É a ‘nossa’ história, lembra? Você não é dona de todas as lembranças, nem das mais belas.

Malu: Meu Deus, mas o que foi? Está irritada assim por quê? As flores de sianinha te fizeram tão mal?

Maria Luiza: As flores de sianinha, o rosa degradê dos tons, tua pieguice derramada, até poemas declamou no evento da UCS. Assim, a semana começa no derramamento amoroso. Assim não é possível produzir em paz. Depois, tantas lembranças adiantam o quê? Temos uma vida imersa em um motor produtivo, que mais parece um moedor de carne, sendo que a carne...é a nossa. Produção é que precisamos. Dar conta do dia, dos ‘a-fazeres’. Olha aí que esse negócio de poesia é contagioso. Já estou, eu mesma, me lembrando dos teus poemas.

Malu: De que produção a senhora fala? Textos, artigos, revisões, orientações. Se observar bem o dia, vai ver que fiz tudo o que tinha que fazer e com qualidade. A questão é que, como sempre, acabei encontrando um tempo para o amor, para demonstrar o amor. O amor para com o homem dos olhos que nos meus olhos refletem minh’alma, para a amorosidade expressa no texto terno sobre as flores de sianinha e, depois, nas poesias declamadas no saguão do CETEL. Não necessariamente nesta ordem, risos. Tá, confesso que fiquei meio tímida, para declamar meus poemas.

Maria Luiza: Tímida nada. Ainda não vi tamanha habilidade para se expor, assim amorosamente derramada, ‘afetivamente afetada’, como dissemos na abertura da tese.

Malu: Prefiro a definição do Julinho da Adelaide. Ele disse que sou uma ‘cachoeira de poesia’. Gostei da definição. Uma cachoeira de poesia é um espetáculo. Quem dera eu fosse! Quem sabe um dia eu seja! E aí, então, em algum momento, minha escrita vai fazer sentido para as pessoas, vou levar mais amorosidade, ternura, substrato amoroso para as pessoas, o que parece ser minha ‘grande tarefa’.

Maria Luiza: Hum, a situação complicou. O Julinho deveria ter pensado no que poderia produzir. Você já é derramada por natureza. Se alguém apoiar, então, estamos perdidas. Vai passar o resto dos dias fazendo poesias.

Malu: Poesia só, não. Poiese. Autopoiese. Com o conceito esse, de autoprodução, eu encontrei uma ‘pista’, um caminho de reinvenção, aprendi a reconhecer a potência de fazer emergir de dentro de mim mesma, uma nova Malu, sempre que for preciso. Vivo às turras com a realidade, sofro, me emociono, amo intensamente, mas, independente do que aconteça, eu sigo.

Maria Luiza: Sim, eu sei como você segue. Segue, quando não empaca em alguma coisa, pela qual se apaixona.

Malu: Eu me apaixono, sim, mas estou mais na fase do amor do que da paixão. O amor, sim, este sim não passa. A paixão é vento. O amor é sustento, substrato amoroso. Eu não vivo de vento. O amor tem que ser alimentado, para sobreviver. Eu alimento o amor em que acredito, que me interessa, mas minha atitude pode mudar, mesmo diante de seres amados. Você sabe disso.

Dra Cardinale: Certo, certo, Malu. Também não precisa escavar feridas. Nós sabemos que você também sabe ser ‘pedreira’, se precisar lidar com ‘pedreiras’. Aprendeu na vivência com os filhos, em situações extremas na vida, mas sabe que a orientação é geral: ninguém pode te machucar. Nem o amor pode te machucar. Se tentar, está errado. Deve ficar longe. Precisa se afastar.

Malu: Pois então, doutora, é o que eu penso, mas é que a Maria Luiza adora me tomar para tonta. É como seu eu não soubesse o que faço, só porque sou amorosa, cuidadora, ternamente afetiva com as pessoas que me rodeiam e, principalmente, com quem amo.

Maria Luiza: Não é isso. Só acho que as pessoas que te conhecem, já conhecem o teu texto. Você não precisa ficar repetindo.

Malu: Meu texto não é retórica. Não é texto vazio. Meu texto é pleno de intensidade e verdade. Se alguém não acreditar, ironizar, esnobar, não ligar... meu texto não muda. Minha atitude pode mudar, mas o meu texto é escrito de dentro, de dentro de mim, de dentro do meu coração. Meu coração não vai mudar, minha pulsação não vai mudar. Eu posso calar, eu posso silenciar, eu posso me afastar, eu posso direcionar o texto para outros seres amorosos, mas não vou deixar de amar...

Maria Luiza: Mas é enjoada essa ‘discurseira’ sobre o amor... as pessoas se enjoam, se cansam...imagino que torcem o nariz, dizendo: lá vem aquela criatura falar de amor de novo.

Malu: Ah.. mas essa é impossível. Vou responder com um poema, pra tua indignação. Só que, no caso, é do nosso grande Drummond: “Que pode uma criatura, entre outras criaturas, senão, amar?”. De desamor, o mundo já está cheio. O que mais existe são atrapalhações, pessoas que se afastam, que não conseguem ficar juntas, se aproximar, mesmo diante de sentimentos fortes. Pessoas que ‘optam’ pelo afastamento, para não viverem complicações da vida amorosa quando as vidas se juntam. Então, decidem pelas complicações das vidas amorosas que não se realizam no laço, na convivência. Parece mais seguro. É mais seguro, mas, ao mesmo tempo, é uma condenação ao auto-abandono, às mares desejantes fúteis do cotidiano.

Dra Cardinale: Você não pode julgar. Cada um, cada um. Cada um decide o que é melhor pra si mesmo. Não há modelos, nem fórmulas prontas de felicidade. Cada pessoa tem que saber o que é melhor para si mesmo. É uma relação de custo-benefício. A vida está muito difícil. Todo mundo está tentando encontrar a sua maneira de ser feliz.

Malu: Bem, a senhora desculpe, mas os consultórios psiquiátricos estão cheios de gente tentando encontrar a maneira de ser feliz. Eles também movimentam a indústria farmacêutica, as seitas religiosas sem Deus, o mercado de consumo, com suas ‘satisfações substitutivas’. O desejo, na contemporaneidade, é amadurecido à força, como as frutas, que nós compramos na feira. Vem sem gosto. Desejo fast-food, forçado pelos instintos básicos ou pelo mercado de relações. Isso, pra mim, não serve. Eu já escrevi isso em outro lugar. Eu tenho dito que cheguei em um momento da vida em que vale a máxima: É tempo de errar menos. Penso que as pessoas têm que decidir que tipo de felicidade estão buscando. Eu sei o que busco.

Dra Cardinale: Neste exato momento, precisamos buscar a felicidade do sonho, ou melhor, dos sonhos. Precisamos ir dormir. É madrugada, mais uma vez. Em outra hora, conversamos mais.









sábado, 16 de junho de 2012

LEOAS E A INUNDAÇÃO ...


Maria Luiza: E aí moça, resolveu inundar Caxias do Sul?

Malu: Hum, se vai começar com ironia, é melhor não conversarmos. Não estou com humor suficiente pra aguentar você tripudiando.

Maria Luiza: Não é isso. Estou tentando te chamar a atenção para esse derrame de lágrimas. Você parece uma cachoeira. Daqui a pouco, alguém vai te indicar para resolver o problema da falta d’água do mundo. De onde você tira tanta água?

Malu: Tô dizendo, agora você resolveu ficar engraçadinha. Isso é típica fala minha. Acho que estamos nos misturando: eu ficando mais séria e você mais brincalhona.

Dra Cardinale: Essa é a grande transformação necessária. Achar o meio tom, a mistura dessas diferenças. Encontrar a dosagem.

Maria Luiza: Bom, mas aí já é pedir demais, doutora. Meio tom. Dosagem... são palavras que não combinam com a moça aí...essa maluquinha de plantão o tempo todo.

Malu: Nem tão maluca mais.. nem tão eu mesma, na matriz. Não sei. Algo parece que trincou.

Dra Cardinale: Você já sabe o que é. Nós já sabemos.

Malu: Sim, eu sei.

Maria Luiza: Como você mesma diz: “pedreira”. Os acontecimentos não são fáceis, mas o ensinamento é grandioso.

Malu: Beleza. Uma beleeeza ouvir isso: “o ensinamento é grandioso!”. Isso muda o quê mesmo, no que eu tô sentindo? A minha parte eu quero em outra ‘moeda’. Ensinamentos grandiosos não estão me ajudando agora....

Dra Cardinale: Não faz assim, Malu. Não fala bobagem que agora já é madrugada. Falar bobagem de madrugada é começar o dia ‘bobageando’... Tenho certeza que você sabe que, se não fossem os ensinamentos que temos em nós, seria tudo mais difícil. Faz muita falta compreender o que vivemos. Lembra há alguns anos, quando você se debatia, sofria imensamente, por não dar conta de compreender a cena... Lembra do sonho da cegueira parcial, que ia se modificando? Lembra?

Malu: Lembro, claro que lembro. Sonhei que tinha ficado cega parcialmente. Andava na casa, enxergando pedaços da cena; às vezes uma coisa, às vezes outra... a cegueira essa ia se modificando... como se fossem sendo apagados trechos da cena...com uma lógica que eu não entendia. Na época, eu só conseguia entender que a cegueira não era física... era uma cegueira emocional, considerando coisas que eu não conseguia enxergar.

Dra Cardinale: Pois é. Só que, como diz Saramago, "Cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos veem o que querem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedra, e altas proas."

Malu: Só pra lembrar...eu tenho os olhos míopes...em 'sentido amplo'.

Dra Cardinale: Sim, eu sei, mas hoje você enxerga muito mais, apesar do aumento da miopia dos olhos. Conseguimos viver as cenas e compreender o que estamos vivendo, como se fosse outra cena. É melhor, apesar de sofrermos em função do quanto compreendermos, é melhor.

Malu: Melhor pra quem, cara pálida? Eu vejo coisas que não quero ver. Entendo outras que não gostaria de entender. Leio textos subjacentes, compreendo discursos não ditos, substâncias informacionais ainda sem forma, como a senhora explica.

Dra Cardinale: Então. Isso é bom. Compreende dimensões sutis da comunicação. Isso é ótimo.

Malu: Bah, um espetáculo mesmo. A senhora tem razão. É só fazer uma lista das informações recentes que eu obtive que vamos ter que discutir o seu conceito de ‘ótimo’, já que a senhora adora tanto... conceitos e teorias.

Maria Luiza: Olha, a questão não é essa. A questão de hoje é que você tem se desmanchado em lágrimas, mais que o normal. Normal, eu digo para um ser humano assim... normal, digamos. Teu caso já é excepcional, mas na excepcionalidade você tem extrapolado. Então, tem que parar de ficar parecendo a menininha fragilzinha, porque não é essa a nossa matéria. Não é disso que somos feitas. Odeio que você fique se derramando em lágrimas...

Malu: Muito bem, a senhora que quer mandar em tudo. É cheia de proibições, então faça alguma coisa e proíba essa maré dentro de mim. Quem sabe dá certo.

Maria Luiza: Mas criatura, as coisas não funcionam assim. Não somos seres isolados. Somos uma só. Temos que estar em sintonia, ainda que existam – e existem – algumas peculiaridades que nos diferenciam. Na prática, esses diálogos e a percepção das nossas diferenças servem para que nos aproximemos, para enxergar melhor de onde brotam as dificuldades e pensar, em conjunto, como resolver.

Malu: E, mas pra senhora, as dificuldades brotam sempre do mesmo lugar, ou seja, de mim e desse meu jeito amoroso.

Maria Luiza: Tá bom, acabou minha paciênia, que já não é muita. Então, vamos lá. De que serve esse teu jeito? A quem serve? Quem se beneficia com ele? Quem valoriza?

Dra Cardinale: Calma, Maria Luiza. Também não seja dramática. Não adianta você atacar o que é a matriz do ser. Isso é chover no molhado, é inócuo. É possível suavizar, misturar mais adequadamente com o que eu chamo de vetores de racionalidade, mas desmontar a forma... aí não vai dar, a essas alturas.

Maria Luiza: Tá. Eu sei, mas não é verdade o que eu questiono? Enquanto essa criatura amar tanto, se importar tanto com os outros... me diz, de que adiantou tudo? De que adianta, se a própria matriz condena? Dá indignação, olhar pra trás e onde deveria haver estrada há ... buraco, fosso, abismo... é isso que ela tem construído com o seu imenso jeito de amar. Eu estou revoltada, não suporto injustiças, nem descaso, nem maltrato. Fico furiosa. A “Dona Malu”, não. Ela chora. Que beleezaaa! Chorar resolve muito.

Dra Cardinale: Eu venho dizendo... radicalizar não adianta. A senhora sabe que não é verdade tudo o que diz. A vida tem demonstrado que amar é a única opção. Não há outra. Os amores são múltiplos e de variados tipos. Não devem ser idealizados, mas vividos no cotidiano, em situações simples e comemorados pelo que é possível, não lamentados pelo que é impossível. É bom lembrar que, no mesmo dia, essa dona moça consegue chorar por motivos bem diferentes e isso, se é ruim, também é bom. O choro dos contrastes da vida. Diferentes resultados, mas que mostram, também, que as redes de afeto se formam, sim, fortes. Há ‘nós’ já construídos com substrato amoroso de qualidade e que dão suporte e força, para seguir adiante, mesmo quando em situação de feridas remexidas. Na verdade, se olharmos bem, não estamos mais sozinhas, essa é a grande mudança.









domingo, 10 de junho de 2012

A SEQUÊNCIA...AS LEOAS...


Dra Cardinale: O que vocês não entendem é que as duas estão certas e erradas... a questão é a medida. A medida da paixão, como diria Lenine, na linda música, a intensidade das coisas vividas, da entrega, do amor, na contenção, da obstinação...a dificuldade de saber ir embora, quando se quer ficar... de ser dura com quem se ama... de saber ‘ler palavras duras’ com o dicionário do outro. Os filhos talvez ajudem também nesse sentido.. a aprender que o amor tem que ter limites, porque o não limite é abandono ... de si e do outro. O não limite é o maltrato. O não limite leva à destruição mútua e da própria relação. O não limite é a barbárie, como eu tenho ressaltado. Esse limite tem que ir sendo construído, com ternura e firmeza, ao mesmo tempo, pra não fazer arrebentar o substrato amoroso.

http://www.youtube.com/watch?v=YLkEDVoGz7M

Malu: Agora estou perdida.. muito lindo, vocês duas... cheias de teorias e racionalizações. Limites, limites, limites, paciência, paciência, paciência... isso meus alunos têm razão: na prática, a teoria é muito outra. A construção do limite essa, às vezes, é que é uma absurdidade e destempera, desencanta, desalenta, desatina... tudo ‘des’..desmancha também o que demora pra ser construído dentro da gente. Se eu for por aí.. eu desisto.. ‘ des-existo’ .. é isso o que vocês querem, imagino. Se o limite for exagerado, tudo trava, abruptamente.

Dra Cardinale: Você é a jovem adulta, em nós. Realmente, não faz mais muito sentido continuar agindo ‘como se não houvesse amanhã’. Não há mais tempo para isso.

Malu: Como se não houvesse amanhã? Agora não sou eu mais a doida. Vocês é que enlouqueceram. O que eu mais tenho feito é ser paciente.. é aguardar.. fazer tudo na direção que quero, mas também esperar que o Universo me dê respostas, que sinalize para onde vai a vida, até porque já sei que não mando nada mesmo.

Maria Luiza: E nem tem que mandar. Só tem que se controlar, conter, fazer o que tem que ser feito e pronto. O resto é perfumaria e delírio de adolescente tardia... Você tem que, finalmente, se despedir, desistir, sim, do que tem que ser deixado. Não desistir do essencial.

Malu: Ah.. ótimo. E quem decide o que é essencial? A senhora ou a Dra?

Maria Luiza: Você é que não é. Pelo menos não decide sozinha. Olha em volta. Para e pensa. Relembra, mas não só o que te dá alegria lembrar. Lembra tudo. As coisas estão se decidindo por conta. Você só tem que aceitar.

Malu: mas é isso que eu digo. Quando eu aceito, me aquieto, sossego, alguma coisa acontece e tudo se revira, tudo muda, parece que volta.. parece que brota dentro de mim...

Maria Luiza: você é um poço de amor a céu aberto! Nasceu assim. Pra isso mudar, tem que morrer. Não há racionalidade que aplaque. Você não se aquieta, não arrefece, o amor em você não passa, só permanece. O que acontece é que, em alguns momentos, você me deixa tomar a frente. Aí seguimos fazendo o que tem que ser feito... o básico, tipo tubinho preto da existência que, no nosso caso, já é gigantesco, em função do tsunami de tarefas.

Malu: É isso que não aceito: o básico. O básico é morno. Morno é pouco. Já esgotei a paciência!

Maria Luiza: Paciência, se esgotou. Esse é um dos seus problemas. Você vê o tempo passando e pensa que ainda não fez tudo o que gostaria... vê que daqui a um tempo vamos pra outra dimensão. Não compreende que não temos controle sobre isso, nem sobre muitas outras coisas. Só podemos fazer o que precisa ser feito. Serenar e pensar na ‘grande tarefa’.

Malu: Vai me desculpar, mas a senhora não tem sentimento. Se não compreende o que eu sinto eu não sei de que matéria é feita. Sei que não é a minha.

Maria Luiza: Tenho. Tenho sentimento. Sentimento de autopreservação.

Malu: Isso não basta. Estou cansada de olhar em volta e ver as pessoas infelizes, porque têm feito o básico. Eu não tenho vocação para depressão, nem para o básico. O básico é pouco. Não vou cruzar os braços e ligar o piloto automático. Não me acostumo com a pasmaceira de uma vida morna.

Maria Luiza: Morna ou não, tem que se voltar para o possível. Para o que tem que ser. É só isso que você pode, que eu posso, que a Dra também e... a torcida do Flamengo, todo mundo.

Malu: Mas não mesmo! Pode esquecer que vou me sentar dentro de mim mesma e ver a vida passar... navegar, sem assumir meu lugar no ‘eixo’ que me faz viva...

Maria Luiza: O teu lugar, pode; não pode é assumir o dos outros. Faz a tua parte e pronto. Cada um entra em cena com seu texto e faz o seu melhor.

Malu: Droga! Tudo é muito lento...

Dra Cardinale: O Universo, Malu, o Universo.. ele tem seu tempo.. o tempo cósmico. É sabedoria compreender que ele se movimenta como tem que ser... o vento... o sol...a gestação de novas vidas, de novos projetos, acontecimentos...de devires outros... não há como acelerar, nem interferir.

Malu: Meu Deus, a senhora fala... faz sentido, mas tantas vezes parece insuportável esperar...deixa... porcaria!

Maria Luiza: Não adianta, doutora. Passei a vida dando discurso pra essa criatura. Ela é empacada, teimosa, insistente... resistente....impaciente, impossível, insaciável, inconstante, impulsiva....

Malu: Sou a parte realmente viva dentro de vocês. Só isso. Vocês são couraças de defesas, distantes do que efetivamente nos faz feliz. Parece que vivem para me paralisar, quando eu quero saltar.

Dra Cardinale: Não é assim, Malu. A felicidade não é um salto no escuro, em direção ao mar alto. Você sempre corre o risco de encontrar os rochedos, antes de tudo. Diga-se de passagem, em geral, é o que tem acontecido. Pedreiras, geleiras, ferro e fogo. Já é tempo de aprender a saltar, metaforicamente, intelectualmente, já que fisicamente penso que não vamos saltar mais... Para isso, passou o tempo de aprender, e a coragem, neste caso, parece ser matéria inexistente em nós. Arriscar, ter coragem de ir adiante, avançar em direção aos desejos, aos sonhos, tudo isso é saudável, se não for feito de uma maneira suicida. Somos seres que acumulamos muitas dores, medos, sofrimentos. Temos marcas de abandono e pouco caso. Justamente por isso, seguimos nos quebrando na vida. De onde você está, tão perto de sentimentos profundos, tão embriagada deles, há a vontade de não sentir mais nada disso, mas, ao mesmo tempo, você se perde, buscando sempre a confirmação do que conhece. Precisa aprender a não aceitar maltrato, seja de filho, de mãe, pai, homem amado, seja lá de quem for. Precisa aprender a desapegar-se a despedir-se, quando tem que ser. Eu venho te dizendo: o mundo é grande. Tua matriz é amorosa e generosa. Como escrevemos, esses dias: e haverá, então, um mundo de flores, de margaridas brancas, mostrando que a ternura, a união entre as pessoas é possível, mesmo e por causa das suas imperfeições e, ainda assim, haverá beleza, porque a felicidade e a beleza são simples, singelas, ternas e, deste modo, podem ser duradouras, ainda que não eternas.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

DA SÉRIE... AS LEOAS...


Dra Cardinale: vocês duas estão silenciosas.....

Maria Luiza: estou em ‘estado de observação’, quero ver pra onde vai essa ‘prosa’...

Malu: bem... fico meio sem ter o que dizer, quando ‘penso que penso’ e decido e, em seguida, vejo que não decidi nada...

Maria Luiza: Ah... finalmente, tá assumindo a atrapalhação?

Malu: Eu nunca neguei....

Maria Luiza: É, mas tantas vezes fala num tom de arrogância, como se os seus caminhos internos fossem os únicos a gerar alegria e prazer.

Malu: Nunca quis dizer isso. É que sou entusiasmada, quando encontro uma trilha de alegria, desejo, amor...sempre fui assim.

Maria Luiza: Entusiasmada e inconsequente, você quer dizer.

Malu: Pode ser, mas como eu posso medir as consequências o tempo todo, se a vida é também, e talvez mais, feita de “intensidades abstratas desejantes de investimentos em busca de felicidade”, não é doutora?

Dra Cardinale: Mas você é bem esperta, não é?... lança mão dos conceitos, quando convém, para justificar seus impulsos.

Malu: Mas não é a senhora que vive dizendo que a teoria que vale é a teoria vivida, é a que faz sentido na vida?

Dra Cardinale: Risos.. de novo... certo, é isso sim... esta teoria é a que vale.

Malu: Pois então, eu só faço botar em prática.

Maria Luiza: E que prática... você bota fogo no mundo, se eu deixar. É uma Maluca de nascença, dessas da categoria doida mesmo. E o pior, se eu não fico atenta, você se arrebenta, se machuca... não recua, emudece, quando tem que levantar e virar a mesa. Neste caso, vale a fala da ‘nonna’ Anna Caronti: “Quanto mais você abaixa, mais aparece a...b”, você sabe o quê.

Malu: Sim, eu sei, aparece a bunda. É uma fala sábia, é verdade. Mas acontece que eu me permito viver... e às vezes, sou pega de surpresa, com a sequência de acontecimentos.

Maria Luiza: Você se solta. Você se esquece. Você acredita, não fica atenta. A cena seguinte sempre pode desmanchar tudo o que aconteceu. É assim, o mundo em movimento.. mutação cósmica e você ainda acredita no instante. Neste mundo de Meu Deus, a desatenção geralmente é punida a ‘ferro e fogo’.

Malu: O instante existe, como diz Cecília Meirelles: “Eu canto, porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste. Sou poeta”. http://www.youtube.com/watch?v=W_YLVRoDwew Se eu passar o tempo todo pensando no que você diz, não vivo. Deixa.. .detalhe... caco de cena... todo mundo tem suas dificuldades...a essas alturas da vida, eu tenho mais medo que ousadia, mas, mesmo assim, às vezes me arrisco...não me arrependo.

Maria Luiza: Eu me arrependo por você. Você está muito velha, pra ter paciência e aceitar coisas inaceitáveis. Parece uma idiota completa, porque não sabe a hora de xingar, de ir embora, de desistir....você tem o dom de passar do ponto. Explica demais, analisa demais, pondera e releva demais. É assim também com teus filhos. Tuas incursões pela poética te fazem artista da palavra e da intensidade... mas isso, do ponto de vista prático, não é operacional...não te leva a lugar nenhum....você se permite viver o absurdo...por esse traço da tua maluquice.

Malu: Eu...

Dra Cardinale: O que vocês não entendem é que as duas estão certas e erradas... a questão é a medida. A medida da paixão, como diria Lenine, na linda música, a intensidade das coisas vividas, da entrega, do amor, na contenção, da obstinação...a dificuldade de saber ir embora, quando se quer ficar... de ser dura com quem se ama... de saber ‘ler palavras duras’ com o dicionário do outro. Os filhos talvez ajudem também nesse sentido.. a aprender que o amor tem que ter limites, porque o não limite é abandono ... de si e do outro. O não limite é o maltrato. O não limite leva à destruição mútua e da própria relação. O não limite é a barbárie, como eu tenho ressaltado. Esse limite tem que ir sendo construído, com ternura e firmeza, ao mesmo tempo, pra não fazer arrebentar o substrato amoroso. http://www.youtube.com/watch?v=YLkEDVoGz7M

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bem-me-querer-bem!

Nossas histórias vão se desenvolvendo e tecendo uma espécie de teia, de filtro invisível, através do qual vemos o mundo. Assim, cada cena nova, cada diálogo, cada episódio, amor, desamor, micro incidente cotidiano, cai nessa teia existencial e vibra, acionando conexões muitas, para encontrar o seu lugar, para fazer sentido. Rapidamente, a vivência vai sendo processada e classificada, em função de dados visíveis e invisíveis, passíveis de serem descritos e inenarráveis. Há um mundo abstrato que interfere, decisivamente, nos processos de significação.

Com o tempo, vamos entendendo que a narrativa da vida, a grande narrativa, vai acumulando fios na nossa existência e que nem sempre esses fios nos dão suporte para seguir adiante. Alguns, quando retomados, enroscam, enosam, viram ‘nós’ existenciais que incomodam, nos amarram ao passado e a alguma prática não agradável. Não valem a pena.

Eu sou do tempo do videocassete, um aparelho de gravação e reprodução de audiovisuais, que permitia avançar ou retroceder. Para retroceder, era preciso rebobinar a fita, o que nem sempre dava certo. Às vezes, quando a fita estava gasta, enroscava, travava. Era preciso abrir o videocassete, tirar a fita que estava toda enroscada ou até... arrebentada. Assim penso que ocorre com algumas histórias gastas na vida da gente. Mesmo sendo histórias com cenas bonitas, belos episódios, já conhecemos o desfecho ou, ao menos, a tendência. Elas nos roubam do cotidiano e aprisionam na tentativa, ilusão, de resgate, de retomada do sonho vivido, quando os momentos foram bons. Em vão. O passado está no passado. É o óbvio, mas nem sempre fácil de aceitar.

Aos poucos, a vida vai se tornando longa, as histórias muitas e repetidas. Puxar o fio da ‘memória’, consciente ou inconsciente, enredar, construir enredo, mirabolando novos desfechos é apenas arrogância de roteirista iniciante, que somos. Nos grandes desfechos da vida, temos pouca influência. Temos a nossa parte para fazer, mas isso é viver em cena, não roteirizar. O Roteirista é outro, neste caso, insubstituível. Faz-se, então, o possível e, mais que isso... o máximo que conseguimos para não decepcioná-lo. Venho, ao longo dessa vida (das outras também, imagino, mas isso não me lembro conscientemente), me debatendo para seguir a risca o texto, o ensinamento.

A essas alturas, tenho muitas histórias acumuladas, de amor e desamor. Sim, porque todos temos roteiros internos também de sofrimento, como despenhadeiros cheios de armadilha, para nos roubar da cena cotidiana e fazer-nos em frangalhos, diante de episódios atuais. Às vezes, uma fala, um gesto, um não gesto, um riso ou não riso, um detalhe... um filme, qualquer coisa pode acionar, em nós, esses enredos indesejáveis que nos levam a ‘feridas’ internas. Por sorte, tenho aprendido a deixar alguns dos ‘nós’ do passado... no passado. Nem sempre consigo, mas sigo tentando. Meu olhar está voltado para o que pode me dar alegria. Não aceito nada que não seja da ordem de bem-me-querer-bem!

terça-feira, 29 de maio de 2012

DESENTENDIMENTOS INTERNOS: AS LEOAS DE NOVO...




Malu escrevendo: E então do alto daquela montanha, em um platô de pedras, era possível avistar o vale. A cena é recorrente, ela pensou.

Maria Luiza: A cena é emblemática, mas já foi tantas vezes utilizada em filmes, em narrativas audiovisuais. Não  há nada de inovador em buscar desfechos observando o vale. Mais uma vez, estás em um lugar comum da existência.

Malu prossegue: Não, o lugar era incomum. Havia ali um pouco de tudo. Era uma espécie de síntese dos melhores momentos, dessas que aparecem quando a gente vai morrer – dizem. Não posso dizer se é assim, eu nunca morri. Não que eu me lembre.

 Maria Luiza: Também isso, eu acho que li em um texto do Veríssimo... Sim, li. Parece que se chama “Toda a vida”. Então, você não consegue escrever 10 linhas sem citar alguém. Bela escritora você é.

Malu: Então tá, já que você resolveu me incomodar. Tudo bem, agora o golpe mortal. Uma do Legião: 

Sei que, às vezes, uso
Palavras repetidas,
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Confiança amorosa

Assistir Ensaio sobre a Cegueira, o filme baseado no livro de José Saramago, com o grupo de estudantes do Amorcom!, foi uma experiência linda, que fechou a semana com reflexão sobre a vida, sobre a sociedade contemporânea, sobre o amor e as possibilidades de felicidade! No filme, as pessoas começaram a voltar a enxergar, quando se redescobriram como ‘pessoas com valor humano’ (no que isso tem de bom e de ruim), com potencial de amor entre si, pelo que são como seres vivos e não pela aparência, pela função social, pela idade. Amor no sentido pleno, como ‘reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência’ (Humberto Maturana). Outro na diferença, com direito de ser outro, outro com quem se quer conviver. A ‘esperança’ surge quando os laços de afeto entre o grupo se consolidam e quando eles se entregam na relação de ‘confiança amorosa’.

A confiança amorosa possibilita a cumplicidade, a amorosidade plena, numa entrega sem exigências apriorísticas, entrega pelo gosto de estar junto, de conviver. Despir-se e viver alegremente o encontro. Nesse tipo de laço, não há regras, nem marcas do mercado de consumo que digam quem você é. Não é a cor da pele, a roupa da moda, o corpo perfeito, a preparação sofisticada que decide a cena. Tudo é mais simples. Simplesmente amoroso.


Possibilidades de paz amorosa, em momentos que ficam emblematicamente reverberando dentro da gente... fazendo mais e mais vida: aconchegar-se, depois de vagar pelas ruas caóticas das cidades e do mundo, inundadas de gentes podres, devoradas por elas mesmas e por animais de todos os tipos... aconchegar-se ‘fora da moda’, numa roupa simples ou em roupa nenhuma, apenas nos braços de alguém que se gosta... fazer nada junto e depois, tudo. Assim, pra mim, é ‘ser feliz’ e parece que também é isso que o filme mostra.

Ser feliz é voltar pra casa, território da gente, aquietar-se na simplicidade no ‘nosso lugar’ no mundo. Ter pra quem olhar, quem tocar, amar ou conseguir olhar para nós mesmos, sem medo, nem autopiedade, nem arrogância egóica de quem ‘se acha o máximo’, de quem acha que ‘se basta’; é conseguir estar humildemente despido, diante de si mesmo e do outro e se ‘des-culpar’ dos tantos erros na vida; também é acreditar na possibilidade seguir a estrada...sozinho ou acompanhado – acompanhado, de preferência.

Quando estivermos junto com pessoas que amamos, o desafio vai ser conseguir partilhar o pouco que ‘nos cabe neste latifúndio vida’ (pra lembrar Chico Buarque, que é sempre uma lembrança linda), sem cobranças, sem exigências premeditadas, pré-fabricadas, pré-concebidas, preconceituosas. Deixar à vontade, construir de modo parceiro o espaço dividido, ainda que seja por tempo passageiro, porque ‘tudo na vida passa, até uva passa!’. Foi o que aconteceu, quando, no final, o grupo foi acolhido generosamente na casa do médico e de sua mulher.

Desafios existenciais de partilha, de instantes-vida compartilhados. Pra isso, não se sabe a medida, há que se construir a vida no jogo marcado pela atrapalhação, pelas diferentes compreensões sobre o que é aproximação e afastamento. Assim, há que se ajeitar, dar jeito, encaixar existências e, diga-se de passagem, o gosto disso é o que vale a ‘coisa’, quando se consegue. Para tanto, cada um vai ter que descobrir a que se predispõe. Situações extremas de sofrimento ensinam a generosidade e desapego. Depois da cegueira branca, da suposta iluminação de superioridade que a humanidade viveu, nomes e valores materiais perdem o sentido... Fica, mesmo, o que vale a pena. Como diz o poeta, na frase exaustivamente repetida aos quatro ventos: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Pra mim, tudo vale a pena, se a confiança é plena.

Assim estamos construindo o Amorcom! Grupo de Estudos e Produção em Comunicação, Amorosidade e Autopoiese, na Universidade de Caxias do Sul. Assim, tenho orientado minha vida. Assim, o Amorcom! se fez. Sou muito grata por isso.




quinta-feira, 26 de abril de 2012


ESPELHO QUEBRADO. CADÊ O DESEJO?
Reflexões sobre estilhaçamentos especulares da imagem jornalística

Este é o título do texto que vou apresentar no XIV Encontro Nacional de Professores de Jornalismo, no X Ciclo Nacional de Pesquisa em Ensino de Jornalismo, que acontece em Uberlândia, Minas Gerais, de 26 a 30 de abril.

O texto traz o relato da experiência de uma pesquisa realizada na Universidade de Caxias do Sul, intitulada Imagem, Sujeito e Mídia. A reflexão a ser apresentada no sábado, no Encontro nacional de Professores de Jornalismo, volta-se para a discussão da imagem dos sujeitos jornalistas para eles mesmos. Parte de questionamentos como: quem é o jornalista? Quem é esse ‘si mesmo’ que se propõe como jornalista? Qual o valor do profissional do jornalismo para a sociedade? Como essa imagem publicada e internalizada interfere nas produções jornalísticas e no desejo de realizar produções mais cuidadas, de mais qualidade?

Pretendo, com essa discussão, contribuir para a reflexão de como a formação dos jornalistas pode preparar pessoas mais conscientes do seu ofício, como algo essencialmente voltado para a sociedade, para o bem comum. Jornalismo é gênero de primeira necessidade, mas isso não diz respeito a qualquer produção veiculada pela mídia, mas a produções feitas com cuidado, com esmero e com comprometimento social.

Ser jornalista é um contador de histórias boas e ruins, que sejam de interesse social. Histórias do dia, histórias do ‘giorno’ (palavra que significa ‘dia’ em italiano), ‘giornalismo’, jornalismo. Desejo que as nossas histórias sejam contadas cada vez com mais humanidade, amorosidade e consciência de que somos seres a serviço da sociedade.

Como jornalista e educadora de jornalismo, trabalhando numa perspectiva transdisciplinar voltada à amorosidade no ensino, questiono: jornalista, você tem fome de quê? Que imagem você vê de si mesmo e que imagem você quer ver no ‘espelho’? O Ensino do Jornalismo tem que fazer sentido, pra nós e para a sociedade em que estamos inseridos. Se não respondermos essas perguntas, é difícil acionar o envolvimento intenso, desejante e comprometido, para a produção de Jornalismo de qualidade.

domingo, 22 de abril de 2012

Olhos que espelham minh’alma



Por encontrar, nesta vida de meu Deus, olhos que, nos olhos meus, refletem minh’ alma, eu me deparei com a paz amorosa. Paz no coração. Não importam mais desfechos e prazos. Não importa mais tanto o rumo dos acontecimentos. Nem o tempo importa mais.

Aprendi a desapegar dos desfechos premeditados por uma sociedade que ensina a amar, segundo padrões de formalidades e rituais e nomes tantos. Tenho aprendido, também, que só posso investir na busca do controle de mim mesma, mas não no rumo do amor, que não depende de mim. Não dá pra ficar imaginando o devir. Cada um faz o seu caminhar, seu movimento e isso não diz ‘amar ou não amar’, mas resulta de um mundo de outros elos, trama de existências e quereres outros.

Penso que estou aprendendo e sei que sigo tentando consolidar a compreensão e a vivência, nesse sentido. Aprender a amar sem idealizar, sem cobrar de mim e dos outros um desempenho este ou aquele, segundo uma configuração típica da família capitalista ocidental formal. Amor no flerte, no jogo louco da sedução, no namoro, no noivado, no casamento. Desamor na separação. Ódio, tantas vezes. Uma sequência de contratos de relação que, supostamente, definiriam se o amor ‘deu certo’ ou não deu.

Mas, Deus meu Deus, o que é mesmo o amor dar certo? Cumprir os rituais estabelecidos por uma sociedade que agencia o relacionamento, como um empreendimento a ser exibido publicamente como de ‘sucesso’? Às vezes, até mesmo um catálogo estético e econômico (e, pior, político), um perfil de vínculos que se publica nas redes sociais virtuais e não virtuais para dizer: ‘olha quem está comigo!’. O amor como instrumento de união de famílias respeitáveis publicamente, às vezes pela sua condição financeira, pelo seu lugar de poder na sociedade, pelo status, pela tradição. O amor que a ‘família’ aceita e aprova. E o que isso diz do amor? E o que isso tem a ver com ‘os olhos que nos olhos meus refletem minh’alma’? Nada.

O amor não é exibição do amor. O amor está ou não está. Quando a gente sente que está, é porque ele se configurou como um substrato profundo entranhado nesta (e talvez em outras) vida(s). O amor é independente do que pensam do amor que tenho, das razões (racionalistas ocidentais) publicáveis sobre porque amar. Amor independe das aparências públicas do amor. Amar é. Viver o amor é a vivência possível, a partir da possibilidade do encontro emblemático dos ‘olhos que nos olhos meus refletem minh’alma’.

Passei muito tempo da minha vida apegada aos desfechos. O vínculo com as narrativas, com a ficção romântica e amorosa, associado ao jeito ‘libriana’ de ser, fez de mim uma apaixonada exigente, desejosa de que os enredos imaginados se cumprissem. Eu sempre quis atender às expectativas, cumprir as normas, obedecer, para obter aprovação em tudo e, de preferência, reconhecimento. Fico às vezes pensando que fui errando, no sentido de querer que se cumprissem os modos de amor apresentados em catálogos sociais, divulgados através das gerações, de forma sub-reptícia, e configurados nos sujeitos ‘nós mesmos’. Aos poucos, no entanto, fui reduzindo o nível de exigências comigo e com os outros, mas sempre, o tempo todo, errando e acertando, mantive a intenção: a tremenda ousadia(?) da vontade de ser feliz.

Isso. Ser feliz no amor. Amar e ser amada. O básico. Trivial simples. Eu e a torcida do Flamengo queremos isso. Aqui no Sul, do Inter, do Grêmio... agora do Caxias e do Juventude... enfim, todo mundo, ao que eu saiba. A questão é que ser feliz no amor implica, de fato, em ser feliz ‘estando no amor’, em amorosidade, em condição de amar e realizar-se, quando isso se produz também no outro. Raro, realmente experiência rara a de que, encontrando o olhar do outro, exista ali não uma imagem carcaça de um corpo que, vivo agora, se exibe como resultado do tempo marcado, mas uma alma amorosamente afetada pela(s) existência(s) (com)partilhada(s). Isso, na maioria das vezes, não é percebido pelas pessoas. Conscientemente menos ainda.

O amor na sociedade contemporânea tem sido ‘vendido’ e alardeado como um produto amadurecido à força, como as frutas que nós compramos na feira, e que deve ser consumido às pressas, por gente ansiosa por ter prazer imediato. O amor que se resume à estética, à aparência. A proposta do ‘mercado amoroso’ então é amor com consumo que resulta em ‘gozo rapidinho’, fast food. O amor em tempos de ‘ficar’ não fica, ele literalmente desaparece no momento de consumo, transformando-se em ‘bem verdadeiramente não durável’. Amor capitalista amor.

A essas alturas da vida, vivo a alegria de me reconhecer aprendiz, humildemente aprendiz, no que diz respeito ao amor. Não sou sabedora, mas ‘aprendente’. Questiono o amor capitalista, mas alegremente reconheço a potência do amor dos ’olhos que nos meus olhos refletem minh’alma’. O devir, o que deve vir a ser, será um dia, mas eu não tenho a menor ideia desse eventual desfecho. A importância mesma está no encontro vivido, simples, terno, na cumplicidade da partilha e da amorosidade, que tem a base na força e intensidade da amizade amorosa. Este é outro dado. Pra mim, o substrato consistente do amor é a amizade e não a paixão. A amizade tece laços de confiança que a paixão nem de longe aciona.
A paixão sem amizade tem componentes de egoísmo e idealização que, por si, só envenenam (ou podem vir a envenenar) a relação.

Bem, o resto é o futuro. E o futuro a Deus pertence. A escrita desse texto futuro não está nas minhas mãos. Certamente não está... sou apenas sujeito do meu passo e dona dos meus olhos que amorosamente amam os olhos que refletem minh’alma.






domingo, 1 de janeiro de 2012

DESMAIOS E ABRAÇOS...




Sou uma pessoa particularmente interessada em narrativas. Isso vem de muito tempo. Talvez tenha a ver com o fato de que nasci numa pequenina cidade do interior de São Paulo, quase uma cidade cenográfica. Sempre penso que Guarantã, cidade do interior no noroeste paulista, mais parece um cenário, onde se desenvolvem narrativas folhetinescas. Romances, traições, nascimentos, reencontros, desencontros, namoros, separações, crimes, nascimentos... mistérios. Guarantã tem de tudo... ainda vou escrever mais sobre isso.

Ali mesmo, desde criança, eu levantava de madrugada para ler histórias. Lembro que as bibliotecárias do Grupo Escolar de Guarantã, queridas dona Leonor e Nadir, ficavam encantadas com a pequena Maria Luiza, que vivia querendo retirar mais e mais livros...numa espécie de de ‘fome’ de palavras, traço que não era tão comum entre os seus colegas. Não com tanto desejo, ao menos. Nem bem eu levava um livro pra casa, devolvia e queria outro, e mais outro, e mais outros... Elas acabavam sempre abrindo exceção, para mim, emprestando mais livros de uma vez.... nas férias, eu sempre ia carregada... afinal, como ia ficar sem ler histórias?

Eu também comecei a querer escrever histórias. Mergulhada no cotidiano e perfis dos personagens com os quais ia entrando em contato, via brotar, em mim, a ‘criação’...eu sentia vidas de remexendo em histórias que um dia brotariam. Não sabia exatamente quando. Havia cenas medievais (que, na época, eu não sabia serem medievais). Algumas eu vislumbrei olhando uma colcha da cama da minha avó. Os desenhos lembravam um castelo, com seus muitos aposentos e corredores, com pé direito altíssimo, adornos delicados e jardins... sim muitos jardins. Lembro que eu passava tempos sentada, na cama, imaginando as histórias.

Uma coisa patética desse período é que eu sempre imaginava desmaios... minhas personagens femininas desmaiavam e todos se preocupavam. Hilário é que, na vida, eu só desmaiei uma vez, o que, na adolescência, me fazia pensar: “Nossa, minhas amigas todas já desmaiaram. Eu nunca!”. O máximo que tinha conseguido, na infância, tinha sido um ‘quase desmaio’, uma vez, quando caí da jabuticabeira. Quando me dei conta que, ao cair da árvore, tinha quase desmaiado, fiquei frustrada. Não por ter caído, mas, por ‘não ter desmaiado’. Pode? Eu tinha, no imaginário, a cena do desmaio, com um certo encantamento. Um momento em que todos se preocupavam com a ... ‘desmaiada’...

Depois, na época da faculdade, quando fui morar sozinha, me lembrei da história do ‘não desmaio’ e pensei: “Ah.. só o que falta, agora que moro sozinha, um dia desmaiar sem que ninguém veja.... ‘sem público’”, risos.. só eu mesma... Muitos anos mais tarde, digamos, ‘consegui’ desmaiar... Eu fazia doutorado em São Paulo, na USP, e viajava todas as semanas de Porto Alegre, pra lá. Saía, de ônibus, nos domingos, a uma da tarde, chegava em São Paulo no outro dia, às seis da manhã. Passava segunda e terça e, depois, à noite, voltava de avião, para o restante da semana coordenar o Curso de Comunicação da ULBRA e dirigir o Telecentro, além de atender aos clientes de supervisão de texto. Nas madrugadas, fazia os trabalhos das disciplinas... lia os textos... junto com meu ex-marido e grande parceiro, naquele período, que também fazia a mesma maratona. Então, eu vivia exausta... aí um dia acabei desmaiando dentro de uma loja, no bairro Pinheiros, em São Paulo. Foi uma cena bonita. Acordei rodeada de pessoas. Lembro que, quando recobrei os sentidos, meu ex-marido estava com cara de apavorado e que achei a ‘maior graça’...estava realizada. “Ah.... assim sim, sim. Desmaiar, mas com público! Era teatral!”. Na verdade, rídiculo... patético, sob um certo aspecto, uma pessoa querer desmaiar, mas eu sei que isso tem a ver com o vínculo com as narrativas, com a poética, com a construção de cenas e personagens....

Claro, também tem a ver com um certo nível de loucura, mas ninguém que me conhece, de fato, acha estranha a associação... loucura-Malu... ao contrário. Por favor, vivendo a vida que vivi até agora... na intensidade com que vivo as cenas e os relacionamentos, em meio a tramas pra mais que folhetinescas e surreais, não me peçam sanidade. O máximo que consigo é, vez por outra, o acionamento do vetor racional, para dar conta do ‘dia’, do cotidiano de afazeres e... seguir em frente... poetizando... romanceando... criando personagens... sem desmaiar.

Refletindo, hoje, penso que o encantamento com a cena do desmaio tem a ver com o desejo de ser acolhida nos braços, cuidada, deixar-me desfalecer e soltar-me nos braços do outro. Fantasia de menina romântica. Certo, mas, pra isso, não é preciso desmaiar. É muito melhor soltar-se nos braços de alguém, sem desmaios...só pro abraço, e pro depois do abraço... O contato do limite de si com o limite do outro, pelo gosto de viver o encontro. Mistura de cheiros. Ser acolhida nos braços do ser amado. Os braços do (meu) bem-querer. Lugar pleno de afeto. Assim é, tanto que a novidade passa a ser uma obviedade: ao descobrir esse lugar, não quero desmaiar, nem morrer, só ‘estar’ e ficar... assim, sem tempo, nem hora, sem pressa, uma feliz vida.


Desejo um mundo de felicidade, a todos os que visitam o Margaridas Brancas, com muitos abraços, sem desmaios! Beijo. Malu