segunda-feira, 4 de abril de 2011

Histórias de onça 1


Por entre as árvores, a onça vai se esgueirando, buscando caminho novo...tentando achar saídas para a vida. Há pouco ela aprendeu a subir a montanha, subiu a serra. Na verdade, ela busca alimento para os filhotes e para si própria. Não só alimento concreto, substância para aplacar a fome do estômago, mas busca alimento pra alma, pra vida toda. Algo da ordem de um tipo de substância mais ampla, que sustenta a existência, promovendo caminhos, atalhos, picadas, construindo pontes para as realizações. A onça não pára.

A onça não dorme. Quase nunca se cansa, mas quando isso acontece, se deixa adormecer, exausta, diante da tela das águas. A onça também chora, às vezes, de cansaço. É um choro ‘riscado’ no rosto de onça, desses que mais parecem um desenho-lamento, porque a onça, mesmo sendo onça, também se cansa de ser sozinha, de ter que enfrentar a floresta toda, vencer seus medos, enfiar-se por entre os meandros das brechas das cachoeiras, do lugares úmidos e sombrios, de dia, de noite, de madrugada. Saltar, deparar-se com animais perigosos. Enfrentar seus próprios fantasmas. Onça também tem medo. Onça, na verdade, também se exaure. Não é sempre, mas também acontece. Quando isso ocorre, ela se entristece e, nesses momentos, chora esse choro riscado que eu falei, que brota da alma da onça, que fica ainda mais brava por estar chorando. Acha ridículo onça chorar, mas as lágrimas não sabem disso. Lágrima não entende. Lágrima só sabe chorar e esse choro brota em quem tem sentimento. Onça tem sentimento. Ah.. tem sim... e como!

A onça chora também por amor. Onça também se apaixona. Onça se apaixonou. Ela também já entendeu que paixão existe pra isso mesmo: pra viver lindamente o encanto e, depois, tristemente desencantar-se, porque paixão é imensamente forte, tem o componente da ilusão que tudo faz brilhar, que tudo encanta...mas também o líquido que corrói o sentimento e faz vir à tona, a imagem verdadeira do amor da gente. É como é.. inteiro. Então, a onça chora a falta do seu ‘véio’ que ficou lá atrás, resgunguento, resmungão, discursando... se esforçando pra brigar, pra que a onça fosse embora. Ela não queria. Tentou o tanto que pôde, mas ele brigou tanto, se esforçou tanto, que a onça entendeu... Tá, vou seguir meu rumo, vou tomar prumo, não parar... tentar não olhar pra trás. Vez por outra a onça olha (desobediente, com o destino). Deixa-se tomar por lembranças lindas, da porta, o corredor... e os outros caminhos da floresta. Olha e chora. Também olha e sorri, feliz por ter vivivo ... o que foi vivido. Às vezes, balança a cabeça e sai xingando, também resmungando (acho que isso é doença que pega): “Idiota esse meu véio. Abriu mão do maior amor do mundo. Deixa. Pra ele é importante. E o importante é isso. Ele está feliz. Assim como tem que ser”.

A onça então mergulha no rio das lembranças, escorrega no lodo das tristezas, mas não retorna. Se enxágua, chacoala... se balança toda e quase nova, renovada, segue. A onça, então, salta, caminha. A onça tem foco, a essas alturas da vida. O foco são os filhotes, seu sustento...da alma, da existência. Este é o foco maior. Ela também se reconhece como fêmea onça e entende que às vezes é preciso encarar uns leoes mais valentes, mais destemidos, desses que têm mais coragem de saltar nos braços da onça... sem medo de se aprisionar. Esses leões são sempre recompensados pela sua coragem... Seu véio leão ficou lá atrás, às voltas com outras criaturas, que nem ela sabe bem a raça, a estirpe.... melhor não saber... a onça não quer saber. A onça é ciumenta. Melhor deixar assim... seu véio é rabugento, mas maravilhoso. Certamente, haverá muitas outras criaturas para estar ao seu lado... a onça quer o seu véio feliz. A onça ama de verdade! A onça não fala que ama à toa.

O bom...de tudo isso é que a floresta é grande. A onça encontra também outros leões... a vida segue... Existem verdadeiramente leões também interessantes... A onça também está conseguindo arrumar sua nova morada... a alegria de construir novo lugar para pouso... para repousar e também para ganhar forças e continuar a caminhada, no outro dia, quando haverá mais sol, quando a chuva for mais suave e terna, quando as águas jorrarem alegria, para fazer alegres as folhas e flores e árvores, da floresta... Meu Deus, penso que isso vai acontecer quando a onça aprender a não querer se amarrar sempre nos mesmos cipós e ficar balançando feito chita... Isso não está certo. Onça não é macaca.. .onça sabe ir embora... e que alguém diga isso para o meu coração, por favor... porque ele é um coração meio ‘ignorante’.. ele não sabe nada de onça... só sabe de querer bem meu bem querer... a única coisa que me consola... é que, na sua demora, ele amadurece a partida e, quando dispara o movimento... aí sim.. me faz viver feito onça. De verdade. Está quase!.