quinta-feira, 31 de março de 2011

Quando os tempos se misturam...


Noite. Auditório da Universidade de Caxias do Sul. No palco, os alunos se apresentavam no Show de Talentos, do Curso de Comunicação Social. De vez em quando, alguém passava por mim e dizia o clássico: “E aí profe?”. Eu, então, pensei: eles já me reconhecem. Eu também os reconheço. Percebo que estou me integrando à paisagem, como alguém do lugar. Estou feliz com isso. MUITO. Naquele momento, me emocionei com a lembrança do período do Intercom, quando estive no mesmo auditório e ‘sonhei’ vir dar aula na UCS. Olhei em volta e me dei conta que os tempos se juntaram, como num passe de mágica.

Há alguns meses, eu estava no mesmo lugar e me imaginei como professora da UCS. Eu desejei isso. Eu desejei muito. Havia vários motivos. Não há como relatar aqui todos eles. Pra ser sincera, há ‘razões’ que nem eu mesma sei enunciar. Sei que há muito tempo uma substância desejante, em mim, se constituiu em direção ao interior – não só ao ‘meu interior’, mas a um lugar do interior do País. Foi se formando uma certeza de que seria necessário um deslocamento. Uma mudança física ‘de lugar’, para que mudassem, também, em mim, territórios cristalizados e que me faziam percorrer sempre os mesmos caminhos, me faziam buscar sempre as mesmas soluções. Chorar sempre as mesmas dores, esperar sempre as mesmas ‘alegrias’... repetir-me e não ‘reinventar-me’, como eu sabia, teoricamente, ser necessário. Pensava: “Isso não pode ser assim. Se não me traz alegria, não está certo’. Eu sabia que não podia, mas não conseguia sair do círculo vicioso, que me aprisionava. Estava ‘encaixada’ numa vida. Era difícil deslocar, desacomodar-me, ainda que houvesse uma sensação de incômodo, por estar tanto tempo no mesmo lugar. Em geral, não sou de me acomodar, me debato, luto, esperneio, até que consigo sair...

Sei que a sensação de que viria, um dia, dar aulas em Caxias do Sul não foi um ‘sonho’, foi um DESEJO. Nos 20 anos lecionando Comunicação e Psicologia, tenho dito que, se a pessoa ‘deseja um desejo bem desejado’, com consistência, ele tende a se realizar. Campos morfogenéticos (vale a pena procurar essa teoria...). Ocorreu, então, que havia em mim uma identificação com o lugar, uma vontade de ficar. Também naquela época, as condições eram desafiadoras. Eu não tinha do meu lado tudo o que eu queria, para estar ali. Era preciso ter paciência, lidar com a saudade, com as condições oferecidas pelo Universo. Eu sei desejar (ah... como eu sei!), mas há muita coisa na vida que não depende só do meu desejo... Mesmo sendo uma ‘doutora desejante’, preciso ser humilde e resignar-me ao que é maior: o Universo, Deus, os desejos e possibilidades das outras pessoas. Nesse sentido, eu também sei mudar o rumo da metralhadora de desejos. Assim faço, quando entendo ser necessário.

De qualquer forma, eu pressentia, como agora, que um território subjetivo se abria, pra mim. Havia a sinalização da potência, no sentido de mostrar o que eu mais sei fazer... para o que me preparei a vida inteira... para essa ‘lida cotidiana’ com os alunos, em busca de produção de momentos alegres, no processo de desencadear conhecimento vivido, intensa e amorosamente. É preciso deixar claro. Eu sempre amei os alunos. Eu amei também os alunos das outras universidades (penso que eles sabem disso), mas a diferença é que, por alguma razão, há uma energia, um conjunto de fatores que aqui sinalizam aberturas para a expressão, para a produção do meu jeito Malu(Ca)rdinale. Sou grata a todas as instituições que me acolheram, cada tempo vivido, cada história que vivi com alunos e colegas.. tudo me constituiu.. tudo me fez ser quem sou... mas agradeço a Deus e a tudo que me deu coragem para o movimento... para a mudança. Talvez sejam os sinais da roda tecida pelas moiras, descritas como espécie de deusas internas, que vão tecendo o destino e regendo as grandes guinadas da vida. Eu sinto que a vida mudou... pra melhor. Há brotação nas plantas de casa... assim como renasceram em mim alegrias passadas e há potência agenciada para o devir... o que deve vir... felicidade! Desejo isso para cada pessoa que amo e para você que lê este texto. Um beijo.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Era uma vez, uma Ritella! Margherita! Margarida!




Ritella era uma menina ativa. Muito ativa. Dessas em que a vida pulsa o tempo todo e que têm a mente acionada sempre, veloz. Sempre inventando moda. A história da Ritella é uma das mais lindas que conheço. Eu vou contá-la aos poucos. Não há como contar tudo de uma vez. Muita história. Muita vida. Tudo intenso. Ritella vivia na Itália, no Sul da Itália, no século passado, nos anos de 1940. Ritella, então, viu a guerra, a triste e dura Segunda Guerra Mundial. Ela nasceu em 1941.

Na época, sua família foi se esconder nas montanhas. Nas terras do pai de Ritella. Foi lá que ela viveu os primeiros anos, em meio aos bombardeios, à correria de desespero, quando os alemães começavam a bombardear. Ritella uma vez escapou do esconderijo e saiu engatinhando. Quando sua mãe se deu por conta, ela já estava fora do alcance. E os aviões alemães começaram a baixar... barulhentos, para reiniciar o bombardeio. Ritella não sabia o que estava acontecendo. Mostrava apenas um traço seu, forte, esse de ir buscar o que quer, de não esperar.. de sair em busca de outros lugares. Ritella já era forte, decidida e ousada. Ritella também já era abençoada.

Vejam só o que aconteceu: os alemães jogaram uma bomba. A mãe de Ritella, desesperada, ajoelhou-se imediatamente e implorou a Santa Rita, que salvasse sua filha. Até então, ela se chamaria “Margherita!” (Margarida!). Não havia sido registrada ainda, por causa da guerra. Em tempo de guerra, as burocracias são postergadas. Todo mundo trata de tentar salvar a vida, ter alimento, literalmente, ‘sobreviver’. A mãe de Ritella prometeu que, se ela não morresse, ela se chamaria Rita, em homenagem à Santa Rita. A bomba não explodiu. Ritella esteve bem perto. Ela foi jogada perto de Ritella, mas não explodiu. Quando os alemães foram embora, no entanto, antes que a mãe de Ritella pudesse buscá-la, ela bateu a testa em algo e fez um pequeno machucado, que sangrou, de modo semelhante ao que as imagens de Santa Rita apresentam. Era como uma marca. Ritella ficou com o sinal, para sempre. Um sinal na testa, que parece confirmar que ela foi salva por Santa Rita. Praticamente nasceu de novo, a menina Ritella.

A menina foi crescendo ali, onde viu muitas, mas muitas cenas tristes. Guardou para sempre, por exemplo, a cena de uma senhora de idade, que decidiu ir buscar água para a família. A água do esconderijo havia terminado. Todos estavam com muita sede. Não havia água para nada. A senhora então disse que iria, que ela já era velha, que já tinha vivido muito. Ninguém queria que fosse. Mas ela decidiu ir, para o bem de todos. Foi, chegou a pegar a água, colocar na cabeça. Ritella lembra, com tristeza, de cena em que a senhora caminhava com dificuldade, mas feliz, por estar conseguindo. Enquanto isso, os aviões alemães sobrevoavam o lugar... era uma tensão muito grande. Todos acompanhavam apreensivos. Por alguns momentos, parecia que iam deixar a senhora voltar com a água. Quando ela estava se aproximando do local em que estavam protegidos, os alemães mataram a mulher, sob os olhos aterrorizados de todos, adultos e crianças. A guerra não poupa ninguém. A guerra tem requintes de crueldade que se imprimem nas memórias de todos, em níveis conscientes e inconscientes, a tal ponto que, mesmo depois de muitos anos, as cenas, as vivências voltam e doem.

Ritella sobreviveu, com a experiência da guerra servindo de alerta para que produzisse o amor ao próximo. Com o fim da guerra, ela voltou para sua cidade e ali vivia com sua família. A vida recomeçando em uma Itália pobre, mas criativa. Ritella muitas vezes fugia para as montanhas para apanhar cerejas, fruta pela qual ela se manteve sempre apaixonada. Nessas escapadas, vez por outra chegava em casa se esgueirando... se escondendo da mãe, porque voltava sem ‘alguma’ peça de roupa. Ritella sempre apanhava, quando isso acontecia. Sua mãe não levava em conta o seu argumento. Ela contava pra mãe que tinha dado a roupa de presente para uma outra menina que encontrara na montanha. Dizia (em italiano): “Mas mãe, eu tenho outras roupas aqui. A menina não tinha nada...”. A mãe dela não relevava... ficava furiosa. A mãe dela era muito brava...Não aceitava.

Bem, como eu disse, a história de Ritella vai longe. Hoje vou ficar por aqui. Só quero dizer mais uma coisa..Ritella era Margherita. Margherita significa Margarida, porque Margaridas Brancas eram as preferidas do pai de Ritella. Ritella é uma pessoa MUITO especial pra mim. A ela, eu devo nada mais, nada menos que minha vida. Ritella é Rita Cardinale, a adorável senhora minha mãe. Ela é a grande homenageada aqui, neste espaço Margaridas Brancas!, que tem este nome, por causa da Ritella, Margherita, Rita Cardinale!

terça-feira, 8 de março de 2011

Sebastião, para quem conhece...


Sempre que ele chega é uma alegria. É uma pessoa forte. De personalidade forte. Amigo, até debaixo d’água, sem meias palavras, desses que não poupam a gente, quando é necessário não poupar. Ele tem o que eu chamo de ‘o texto inteiro’. Abre a boca e diz. Sofre junto, eu vejo que sofre junto, quando as notícias não são boas, quando o que tem que dizer não é o que eu gostaria de ouvir. Os seus conselhos, contudo, são preciosos. Ele tem a visão de mundo mais ampla, é sábio, enxerga longe, literalmente. Por isso, eu sempre me alegro tanto quando ele diz: “Vai, tenta!” e, na mesma proporção, me entristeço, resignada, quando ele sinaliza algo que contraria a minha vontade: “Cai fora! Não vale a pena!”. Eu sei que não vale a pena insistir. Sua amizade incondicional, no entanto, é um bem imenso, uma graça divina.

Sebastião é uma pessoa rara. De fala simples e sábia. Eu me sinto verdadeiramente privilegiada por ser sua amiga. Apesar do jeito, ele nunca ‘manda’, mas ‘dá o texto’, você faz o que quiser. “O que eu vejo é isso, mas você é dona do seu nariz!”. Eu fico em dúvida, às vezes, acho que nem dona do meu nariz eu sou, mas isso não é culpa do Sebastião, mas do fato de que a vida não se faz sozinha. A vida é sempre entrelaçada em muitas outras vidas e, nesse sentido, a decisão que tomamos sempre tem implicações e depende do movimento de outras pessoas. Quando se tem filhos, então, isso é ainda mais complexo... porque são pessoas em ‘criação’, nossas maiores e mais delicadas ‘obras-primas’, que partilhamos humildemente com Deus. Meu Deus, como as coisas são difíceis às vezes! Não fosse a existência de amigos, como o Sebastião, seriam mais.

Outro dia, ele veio me visitar. Chegou como sempre, parecendo um trovão, com sua voz grossa. Eu vi que ele chegou meio contrariado. Parecia cansado. Meu amigo Sebastião também trabalha muito. Ele coordena uma equipe grande de pessoas que têm muita responsabilidade. Pela experiência que ele demonstra ter com os assuntos da vida, sua idade é incalculável. O mesmo não acontece com a aparência. Sebastião é um homem bonito, encantador, que não denota a idade que tem. Ao longo dos anos, tem suavizado a personalidade, demonstra cada vez mais sensibilidade com as coisas da vida, as emoções. Eu o conheço há mais de 30 anos.. não sei, já perdi as contas.. e vejo que ele melhorou como pessoa, como ser humano, também na sua dimensão espiritual. Antes, quando falava, parecia que estava sempre dando bronca. Bom, eu também era muito jovem... hoje, não é muito fácil me assustar.

De qualquer modo, a fala de Sebastião está mudada, embora talvez só quem o conheça entenda o que eu digo. Não, a fala dele não é morna. Ele é uma pessoa intensa e que não faz rodeios. Eu acho bom. Apesar da minha emocionalidade exagerada, já me dei conta que os homens que mais me encantam são os ‘brutos’, no sentido existencial. Homem com configuração ‘leão’. Já tentei me corrigir, mas, quando vejo, me apaixono pelo mesmo perfil... Certo, há uns que exageram e eu, mesmo leoa, acabo me distanciando, mas não é o jeito que incomoda, é o não trânsito entre situações, a falta de dosagem. Sebastião, não. Se tem que brigar, briga. Se tem que falar, fala. Se tem que elogiar, elogia. Mas, sempre, eu sempre sei que ele vai estar ali. Sebastião não abandona.

Sebastião é amigo de fé. Nossa amizade de anos, de muitos anos, permanece inalterada. Representa aquilo para o que eu venho chamando atenção, no sentido de que as pessoas precisam valorizar mais a amizade plena.... a amizade como laço que dá sustento à vida. A amizade incondicional. A amizade como entrelaçamento de vidas que transpõe existências... encarnações.. .a amizade que vai se constituindo na certeza de que o outro não rejeita, não quer mal, não abandona. Penso que uma amizade assim tem que estar na base no amor apaixonado, embora não seja necessariamente a mesma coisa. Sem essa base de amizade, o amor não vinga, porque não consegue sobreviver às intempéries tantas, que são inerentes à paixão, à convivência e ao medo (mesmo) de amar. Sebastião é meu amigo. E eu sou muito agradecida a Deus por isso.